Aqui em Paris, assim como no resto da Europa, para dançar é preciso contar. Sai no 1 faz tal passo no 2 e por aí vai. Como faz falta uma herança rítmica africana. Bastou soar uma percussão estamos já na maior animação.
Sou uma pessoa precavida, organizada, obsessiva. Quando decidi vir para Paris, tentei cobrir todos os flancos, deixar tudo perfeitamente em ordem no Brasil e pesquisar bastante para fazer o que queria na cidade. Não queria abrir mão de certas rotinas como musculação, dançar e correr. Solucionei rapidamente em parte o quesito dança, nas aulas de samba de gafieira em Nation na academia de Sebastien Massaro, especialista em danças latinas, a quem considero um filho. Nos finais de semana fugia para Chartres para participar de algum evento de Stephane Massaro, meu outro filho, o mais velho. Como me diverti! Meus parceiros se esforçaram para superar o desafio de dançar com uma brasileira e de vez em quando ainda dava o meu "showzinho" particular com Seb ou Steph num samba com intenso sotaque ou em um forró.
Fiquei um tempo, porém, procurando uma academia de west coast swing, ritmo pelo qual sou inteiramente apaixonada. Encontrei certa dificuldade. A burocracia às vezes é infinita na França. Descobri uma academia, fui lá em uma festa, conversei com o professor e dono do espaço, ele me disse que eu poderia fazer o nível intermediário. Saí alegrinha prometendo voltar no dia da aula — sábado. E lá fui eu, sapatilhas em punho, mas ao chegar a atendente me explicou que não poderia fazer a aula, primeiro precisava marcar pela internet uma aula experimental para depois me matricular. Je suis ici. Eu estou aqui! Je suis là, tentei. De nada adiantou o meu apelo, "só depois de cumprir o programado", ela permaneceu com a inflexibilidade de um gendarme.
Não, na academia de ginástica seria diferente, pensei otimista como sempre: precavida, repito, treino em uma grande academia no Rio, que é ligada a uma organização de academias pelo mundo, o que me garantia que poderia frequentar com desconto quando estivesse viajando. Fiz o meu passaporte, uma folhinha impressa da internet, onde coloquei os meus dados. "Está tudo certo?". "Está" — me garantiram no Brasil. As academias em Paris não são visíveis. Encontrei uma de power plate (está super na moda) na esquina, mas que só funcionava aos sábados. Não é genial? Depois pesquisei e descobri que a maioria das academias pertence ao Club Med. E lá fui eu, vestida de atleta, com a minha folhinha na mão, tentar malhar. Fui recebida com cordial indiferença, mostrei a minha folhinha e me explicaram que eu precisava ter uma carteirinha da organização do meu país. HUM?!?! No meu flagelado francês pedi que ela, então, verificasse o preço sem o desconto. Ela me respondeu: 13 euros por dia frequentado, "mas é preciso a carteirinha". Guardei o papel no bolso, disse que ela podia esquecer a tal carteirinha, e que eu queria treinar lá mesmo assim, sem desconto. Na quarta menção à carteirinha, achei que era um sinal dos deuses e decidi mandar o Club Med para o inferno.
Correr, este era outro problema. Ficou em compasso de espera muito tempo e me fez virar refém de uma família que trabalha na mesma rua que morava: os Dowma. Primeiro conheci o pai, Claude, fisioterapeuta, que me indicou sua filha Charlotte, osteopata. O problema era o meu calcanhar que insistia em doer MUITO desde o Brasil. Primeiro só doía no dia seguinte após eu correr; depois resolveu doer todos os dias. Fiz um raio x e um ortopedista diagnosticou: esporão de calcâneo, me receitou uma palmilha horrenda que só piorou a dor e quase me mandou para o forno de bíer (quem lembra disso?) e para a maldição da fisioterapia nas clínicas de plano de saúde. Ao chegar em Paris, porém, de tanto marcher, danser, bouger (andar, dançar e se mexer) tudo foi ficando pior. Charlotte colocou meu pé no lugar, trabalhou toda a musculatura posterior da perna e disse que a tensão nela é que estava causando a dor, porque no calcanhar é que se insere um longo tendão. E me recomendou o seu irmão, Alexandre, com consultório também na mesma rua, podólogo, reflexologista, especializado em esporte e também osteopata. Refém total. Aí se fez a magia: ele examinou o meu pé de todos os jeitos, me colocou em diversos aparelhos, fez variados testes e prometeu que iria resolver o meu problema — "muito comum, tenho corredores e chefs como pacientes e todos melhoraram". E melhorei mesmo, cada vez mais, mas meu sonho de correr nas margens do Sena e no Jardim de Luxemburgo ficou para a próxima vez.