Aqui em Paris, todos dizem que o wi-fi funciona em todos os lugares. É mentira. O 3G não é lá essas coisas. E a Internet também cai.
Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris.
Este é o mantra que repeti indefinidamente por dias, quando o universo começou a conspirar contra a minha sanidade e me fez passar por situações não dramáticas, mas chatinhas, que a gente não quer que aconteçam quando estamos de férias — mesmo que sejam 100 dias, ou seja, quase um semestre sabático. Lição: problemas acontecem em qualquer lugar e é difícil se livrar deles. Primeiro foi uma ida ao médico para averiguar um calombo que surgiu nas minhas costas, parecia um espinha e virou algo indefinido, mas definitivamente muito dolorido. O médico era eficiente, mas de uma grossura impressionante. Eu me senti como o Monk (espero que todos conheçam o detetive com TOC, que tem horror a bactérias e afins), totalmente paranoica quando entrava em sua sala e começava a ver ácaros, bactérias e vírus rindo para mim, que nem na vez em que fui à sauna da Mesquita de Paris. Tive a impressão de que eles se mudaram para o consultório só para continuar a me atazanar. Como ele, o médico, não o ácaro, não olhava na minha cara nunca, cada vez que ia lá tinha de me apresentar, dizer novamente que falava um pouco de francês e que meu único problema é que estava lá só para ele dar uma olhadinha e refazer o curativo. Foram muitos dias de antibiótico. Só pensava em Dr. RP, meu amigo, meu guru, meu médico a quem ligo no Brasil até para perguntar sobre unha encravada. Por que ele não estava em Paris? — me perguntava a toda hora. E a resposta era o silêncio, que atravessava a madrugada. Mudei o mantra. Isto não é música de Paulinho da Viola?
Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris.
Conformada com o fato de voltar ao médico amnésico mais vezes, de fazer malabarismo para tomar banho todos os dias sem molhar as costas por causa do curativo (aliás, ele achou estranhíssimo quando perguntei o que fazer na hora do banho, certamente ele pensou por que eu iria tomar uma ducha se voltaria em dois dias), eis que surgiu o segundo problema. A internet, o telefone e a televisão — todos interligados em mesmo plano ligado a uma operadora — saíram do ar. Um dia sem comunicação era sacanagem das boas. E eu que pensava que não ia ter problema algum deste gênero. Afinal, o Minitel foi lançado na França em 1982 e eu me lembro de ficar muito impressionada porque meus amigos franceses faziam compras, reservas para o trem, checavam a cotação das ações na bolsa de valores, a lista telefônica, e, ainda estabeleciam um chat similar com o criado uma década depois com o advento da internet. Tinha certeza de que em Paris iria ser tomada pela modernidade nas comunicações. Realmente me decepcionei com o wi-fi, com o 3G e também com a internet - que, apesar de rápida, caía. Onde foi que a França perdeu o bonde da modernidade?
Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris.
Aproveitei o dia para quase fazer voto de silêncio, li mais 200 páginas do livro de 1.000 que vinha me acompanhando na viagem, mexi em alguns textos que estavam semi adormecidos no computador, acessei meus e-mails pelo celular e seu 3G mequetrefe e eis que surgiu mais uma desventura. Recebo um e-mail da Airbnb me avisando que meu cartão de crédito não havia autorizado o pagamento do meu aluguel de Paris. Tive que fazer duas ligações para o Brasil, pelo celular francês, fiquei horas teclando dados e mais dados, aguardei na linha, e só pensando no que deixaria de comprar por estar gastando aquela grana com as ligações, quando recebi finalmente a confirmação de que o pagamento tinha sido considerado "suspeito". Suspeito? Já havia pagado dois meses o aluguel, por que só o terceiro era terrorista? Quando ouvi a mensagem "não desligue, responda à nossa pesquisa de satisfação", imagina o que fiz. Entoei o mantra aos berros.
Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris. Eu não me aborreço em euros. Estou em Paris.
Fiquei incomunicável um fim de semana inteiro. Como sou uma otimista incurável, me alegrei por não ter que ligar para a operadora, esperar horas na linha, anotar os diversos protocolos até a linha cair e começar tudo de novo. Gilles fez isso por mim e havia acontecido um problema, porque, segundo eles, eu tentara ligar para o Brasil pela internet, o que era proibido. Nem argumentei, zen e mais otimista ainda decidi que era só um treinamento para a volta ao Brasil, onde este tipo de problema é cotidiano. E, desde então, descobri o novo mantra para ser entoado em terras tropicais, porque sei o que me espera.
Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais. Eu me aborreço em reais
Tenho certeza de que você, solidário, enquanto lê está entoando o mantra também. Vem comigo, vamos lá: agora o pessoal da direita, o pessoal da esquerda, a turma do centro, todo mundo...