Aqui em Paris, usar os cabelos naturalmente brancos não ofende ninguém. E nem é sinal de velhice ou desmazelo. J'adore ça.
Você estranhou essas palavras? MP, minha amiga de todos os momentos, foi quem me ensinou. Ouviu de uma aluninha e anotou na sua agenda no primeiro dia de 2013: "Não é uma questão de precisância, é de querência". Esta menina é quase uma Guimarães Rosa, não acha? Em meados de 2013 inverto as palavras um pouquinho e digo que ir embora de Paris não é uma questão de querência, mas de precisância.
100 dias em Paris!
Se a ideia primeira era viver em uma cidade que amava, tentar vê-la com olhos de morador e não do turista que perambula — e que mesmo assim é um felizardo, como fui tantas vezes — posso dizer que fui 100% bem-sucedida. Hoje conheço Paris bem, sei andar pelas ruas; pegar o ônibus certo; fugir do metrô quando estou calmamente flanando; usar o metrô quando tenho pressa; sei comprar o que há de melhor na feira; sem maiores estoques, aprendi que o melhor é comprar comida todo dia para aproveitar o que é bom, fresco e da temporada. Sei escolher entres as mil e uma opções do Picard, quando a paciência é pouca para enfrentar as panelas. Certamente sou uma pessoa como as outras do meu quartier: me visto adequadamente — faça chuva ou faça sol um lenço no pescoço é indispensável. Apendi que ir à lavanderia não é um bicho de sete cabeças, e nem lavar camisetas em casa e espalhá-las para secar no espaço exíguo da minha mansão. Posso manter meus hobbies em Paris, em Londres, em Tegucigalpa — sempre haverá algum ser dançante no pedaço. E, como boa parisiense-carioca posso receber os amigos e com eles perambular como turista, o que fui e serei ainda tantas vezes. Eu sei hoje que posso viver onde quiser e manter velhos hábitos, assim como aprender novos.
Além do lado prático da vida, acho que viver em Paris revelou outro lado meu que desconfiava ter desaparecido: a ousadia, a coragem, o ímpeto. Quando vim sozinha a primeira vez não falava língua alguma e muitos que me conheciam acharam de uma ousadia incrível. Os anos passaram, e pensei, depois de um período em que andei muito triste, quase em pânico, que não conseguiria nunca mais ser ousada. Ao assumir os meus medos, me esqueci de que tudo tem outro lado. Não gosto de roda gigante, de montanha russa, de gripe (será pneumonia?), de motorista que pisa fundo no acelerador, de fechada de ônibus, de águas profundas, de escuro. Mas nunca tive temor de me arriscar em novas empreitadas, de viajar de avião, de encarar o desconhecido ou de me reinventar. Hoje sei que convivo bem com esta ambiguidade. Sou medrosa e corajosa, tudo na certa medida.
Pode parecer ninharia, mas viver 100 dias em outra cidade, sozinha, foi o meu atestado de autossuficiência recuperado, a prova de que nunca se está velha o suficiente para ser jovem de novo. No território das sensações podemos ser sempre crianças com olhar encantado ou adolescentes ávidos por emoções novas. Hoje me sinto realmente uma adolescente, mesmo com meus cabelos grisalhos por opção, que fez o primeiro intercâmbio. Voltarei para casa mais segura das minhas possibilidades que, mesmo na minha idade, são infinitas.