Mesquita, Hammam e o Paraíso

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Aqui em Paris, não dá para ter nojinhos

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Aqui em Paris, não dá para ter nojinhos. Na feira, os pães são expostos ao céu aberto e o vendedor pega com a mão sem nenhum problema; as comidas prontas ficam ao ar livre e todo o mundo compra na maior felicidade; a manicure não esteriliza os alicates e na sauna vale tudo. Mas verdade seja dita, os franceses não carregam a baguette debaixo do braço. Estão a americanizar-se, dizem os mais conservadores.

Vou logo avisando: não gosto de alongamento; música de relaxamento é o caminho mais fácil para me enlouquecer e, em especial, não há nada que odeie mais do que massagem. Para mim, é como uma sessão de cutucadas insuportáveis, quase uma tortura. Mas como decidi que iria conhecer o que jamais havia visto, aproveitei a visita da minha amiga VS, que é uma fã ardorosa de tudo aquilo que descrevi acima, e tomei a corajosa decisão de ir ao hammam da Mesquita de Paris. O que significa hammam? Os famosos banhos turcos, conhecidos por nós como sauna a vapor. Existem vários na cidade e o mais famoso é o da Mesquita de Paris. Como morava ao lado, perfeito lugar. Lá fomos nós: entramos em uma sala, cheia de almofadas, onde havia ainda três camas e três massagistas entretidas no seu ofício. Seguimos, escolhemos o nosso forfait: eu paguei 43 euros para os banhos turcos, uma gommage (esfoliação) e uma massagem — a mais curta, de 10 minutos, isso eu aguentaria. A brava VS escolheu 20 minutos de massagem, além do restante, e para isso pagou 53 euros. O vestiário já propiciava um ataque de nojinho, úmido, escuro, um imenso corredor com armários e mulheres semivestidas. Nós duas nos esgueiramos pelo corredor polonês e, após muitos pardon, excusez-moi, chegamos a um lugar vago. Tiramos a roupa, colocamos um biquíni, embora muitas mulheres passassem faceiramente de calçola e sutiã.

Maiô a postos, saímos escorregando sem parar em um piso que parecida ensaboado (e era mesmo) até uma senhora nos avisar que era preciso pegar os chinelos em uma imensa cesta na porta. Em saquinhos plásticos? Claro que não. Eu juro que vi dois fungos conversando e dois ácaros namorando sob o olhar severo de muitas bactérias. VS me encorajava: entramos na masmorra, perdão, na sauna. Era preciso seguir o cerimonial: primeiro a sauna seca, depois a úmida e finalmente a que havia também uma piscina. O primeiro lugar era horrendo, com a pintura dos séculos descascando e um cheiro de mofo doentio. A segunda era uma enorme sala com várias almofadas de plástico, baldes, torneiras e as mulheres lá faziam de tudo. Colocavam óleo no cabelo, passavam uma esponjinha na pele, tiravam a sobrancelha, depilavam as pernas, conversavam sem parar. Uma havia que lavava roupa nas torneirinhas disponíveis. Muitas roupas, muitas mesmo. Pensei: "é louca". VS, numa vã tentativa de me fazer curtir o ambiente, arriscou: "vai ver ela é homeless". Isso lá é incentivo?

Neste momento, quase saí correndo, mas as bactérias se aliaram aos fungos e impediram a minha tentativa de fuga. Por final, entramos na sauna a vapor, quando já estávamos completamente banhadas de suor, com sede, fome e certa baixa de pressão. A piscina era absolutamente gelada e só coloquei a ponta do dedo mindinho para me certificar de que lá não entraria. Ufa, passamos pela primeira fase! E fizemos tudo que nos mandaram: suar muito, se ensaboar bem com um tal de sabonete negro, que nos deram e que facilitaria a gommage . Depois entrar em um duche, já que pulamos a escala da piscina.

Era chegada a hora da gommage. Em uma mesa de metal, tipo Instituto Médico Legal, me deitei como se estivesse realmente num cativeiro e a senhora árabe, com uma roupa molhada (coitada, o dia inteiro naquele lugar) passou uma luva áspera em todo o meu corpo — a mesma que ela havia usado nas árabes antes de mim. É verdade que nas que me precederam a gommage demorou 25 minutos. A minha, somente 10. Ela estava morta de fome. E viva o tahine! Fui salva por ele. VS continuava alegrinha como nunca afirmando que não havia problema, porque nem as bactérias aguentariam aquele calor. E elas, as bactérias, riam em um canto, ironicamente. E quase deram uma lição para VS, que, tão sabichona, não havia percebido que o calor é o lugar ideal de veraneio das ditas.

Terceira etapa: a massagem. VS foi antes de mim e eu esperei os 20 minutos, porque as outras massagistas tinham ido almoçar. E tome tahine! No 15º pensei: "Vou embora, não espero mais, saco, eu odeio massagem". Mas sei lá por que continuei a espera, tomando um chá de menta com 2 quilos de açúcar por xícara. Era chegada a hora da tortura. Estava preparada, ou simplesmente amortecida por tantos desprazeres. Mais um e pronto, estava livre daquele inferno, que para ser absolutamente verdadeiro só faltava alguém carregando um tridente. Mas como era dia do hammam feminino, quem sabe por onde ele andaria? Disfarçado, talvez, pois havia uma mulher que espalhava objetos pelos tapetes — ahã, a mesma que lavava roupas — e se dizia fotógrafa iraniana fazendo um livro sobre a mesquita. Não me convenceu. Sei não...

O que sei é que as portas do paraíso se abriram quando a massagista espalhou óleo quente e começou a delicadamente, lentamente, passar a mão pelo meu corpo. Com uma precisão e suavidade ela foi desfazendo todos os pontos de tensão. Eu me rendo, foi uma experiência extraordinária que jamais esquecerei. Fica aqui o meu conselho: vá à mesquita, faça uma visita, que custa 3 euros (menos às sextas-feiras), ela é pequena e bonita. Vá ao hammam e faça uma massagem. O resto pode esquecer. Na hora de sair largamos os chinelos sabe onde? Na mesma cesta onde havíamos pegado. Logo eles seriam usados pelas próximas incautas, e uma pode ser você.

Quando for lá não se esqueça de dar minhas lembranças às bactérias. Elas adoram fazer amizades novas.

100 Dias Em ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora