Aqui em Paris, eles adoram quando um estrangeiro fala algumas palavras em francês. Mas imediatamente respondem em inglês com baita sotaque.
O mundo globalizado é muito chato. Hoje tem tudo na Oropa, França e Bahia, especialmente o que vem dos Estados Unidos. Em Paris se sente o cheirinho do Starbucks e se vê por toda a parte aquele copo que queima a boca; de bagels nos cafés moderninhos (quem, em sã consciência, troca uma baguette por um bagel?) e do hambúrguer do Mac Donalds. Os jovens, especialmente os da periferia, usam jaquetas do Chicago Bulls, boné para trás e amam funk. Mas não está tudo dominado. Continuam a ter filas na porta os traitteurs, brasseries, chocolatiers e cafés tradicionais, aqueles em que você pede um cafezinho, paga uma fortuna e fica horas vendo "parisienses andando na rua", diversão predileta de meu amigo CT. O cinema francês é maioria nas salas e mesmo programas de televisão americanos ganham uma versão totalmente francesa. Vi uma edição de Top Chef (adoro!), um reality, como o nome diz, com chefs, e me surpreendi. Na versão original, americana, o programa tem uma hora e um chef sai e os outros ganham a chance der ir para a outra rodada até o vencedor final nos programas posteriores. Na França são duas horas e meia, os chefs vão ganhando a cada prova o direito de entrar na outra etapa e os que sobram fazem nova disputa. Assim, foram quatro ao longo de um programa, com pratos que alguém jamais imaginou. Tinha acabado de jantar e já estava com fome de novo só de ver. E eles falam muito o tempo todo, como de resto em todos os programas de televisão, a maioria debates sobre TUDO.
E outra grande diferença: shopping centers não colam em Paris. Inventados no século X a.C. pelos árabes, os grandes bazares se tornaram shoppings em 1828 nos Estados Unidos. E com isso declaro que 100 dias em Paris é cultura. Em Paris os grandes magazines funcionam quase como um shopping center, mas na forma original de um espaço com muitas lojas diferenciadas, praça de alimentação, conheci somente um, o SO OUEST. Aviso logo, se for ficar poucos dias, não vá lá. Será o maior programa de índio. Se ficar muitos dias e for curiosa como eu espane o seu cocar, pegue o apito, porque vai continuar sendo um programa de índio.
O dia era de sol, mas muito frio. Os museus estavam fechados por causa de um feriado e porque a maior parte não funciona às segundas. Resolvi conferir e com isso dar um grande passeio de ônibus. Valeu muito, o trajeto era lindo até sairmos de Paris. As portas são os limites da cidade e eu fiz a grande bobagem de passar por uma: a Porta de Asnières, que nos leva exatamente onde ninguém deve ir, um lugar feio, triste, modernoso. Ou seja, faz sentido colocar o shopping lá. O SO OUEST (31 Rue d'Alsace, 92300 Levallois-Perret) é o lugar perfeito para não se saber onde está. Pode ser Miami, Rio de Janeiro, Curitiba ou Dubai. Shopping é shopping — uma cidade à parte. A inglesa Marks & Spencer é a loja de ponta, mas não é mais a mesma. Achei algumas coisas interessantes, como um Bar de Unhas. Você senta em um balcão, com a bunda virada para o corredor, e as manicures fazem a sua unha, por preços extorsivos — de 35 a 65 euros, se fizer unha de gel francesinha. Ó Deus, em Paris também tem francesinha, e eu que pensei que era um nome, assim, fantasia. E que não existisse como o filé à francesa, abajur e marquise, coisas absolutamente desconhecidas pelos franceses.
Outra loja me intrigou: A Loja do Gato Preto, assim mesmo em português. Na trilha sonora, tocava Seu Jorge. Pronto, tô em casa, vou até dar uns passinhos de dança, mas, quando inquirida, a moça me disse que a loja era de Portugal. Por que não tocam fado, então, quase perguntei, mas engoli a minha língua.
Uma surpresa engraçada, o restaurante japonês do lado do shopping, Matsuri, com aquelas esteiras rolantes. Bom, mas carésimo. Paguei 30 euros — e se come normalmente em um restaurante oriental em Paris por 12 euros –, mas valeu para ver alguns franceses comendo de colher e garfo os sushis; outros pedindo espetinho de queijo, para desgosto da sushiwoman. Dois camarões empanados custavam 2 euros. Três fatias de sashimi de atum, 6 euros. E de sashimi em sashimi, os pratos de borda verde, que eram os mais caros, me fizeram gastar o que não queria. Quem mandou?
Hora de voltar, cocar espanado, peguei o ônibus 53 de novo e acabei na Opera, vendo gente de todo o mundo também com seu cocar imaginário: japoneses que tiravam fotos sem parar; italianos discutindo sobre a "pasta" mais próxima; brasileiros ávidos pelas compras (vai ao shopping, vai); mafiosos russos e suas mulheres cheias de pele e joias entrando nas lojas mais caras, e alguns franceses elegantérrimos aproveitando o sol do feriado. Outros nem tanto chiques, mas também lagarteando ao sol.
Estava de volta à Paris, de onde nunca devia ter saído.