Capítulo 10

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Ao longo da vida, adquirimos conhecimentos e, talvez, algumas habilidades. Alguns descobrem que têm aptidões para música, moda, culinária, pintura ou são excepcionalmente habilidosos na arte de decepcionar. Eu, aliás, ainda sou a número um nessa arte. Comecei meu trabalho desde o momento em que fui concebida, trazendo tantas infelicidades para minha mãe que ela precisou interromper alguns sonhos para casar e cuidar de mim. Antes de compartilhar a notícia com meu pai, ela até tentou alguns métodos e simpatias para evitar a evolução da gestação. Ela era muito jovem e tinha medo da reação de seus pais, já que ainda morava com eles. Mas resisti. Não quis acordo e nem saber do seu drama. Precisava nascer para continuar fazendo a minha arte.

E assim foi feito.

E está sendo feito.

O apogeu da minha arte foi no começo da adolescência e perpetua até nos dias atuais. Vi tantas e tantas vezes a minha mãe chorar de desgosto por eu ter sido impulsiva demais e não saber lidar. Eu me sentia mal por ter feito aquelas bobagens sem comunicar se podia ou não e corria para o meu quarto para chorar baixinho na companhia da minha boneca, a Lulu, a única que me escutava e entendia.

Não é fácil carregar o fardo de ser excepcionalmente perfeito na arte de decepcionar. Eu fazia de tudo para não irritar minha mãe, mas não conseguia. Um dia, cheguei em casa com uma anotação na agenda por querer ocupar o lugar dos professores e chamá-los de incompetentes. Também discuti com um colega por causa de uma carteira, chegando a quebrá-la propositalmente para que ninguém pudesse usufruir dela. Além disso, discuti com o diretor por ele ter sido grosseiro ao me repreender. Eu estudava em um colégio religioso, e você pode imaginar o quanto era desafiador ser uma criança mal-criada. Em outro dia, arrumava brigas com as crianças do bairro. Não havia sossego em nenhum minuto. Mesmo durante um funeral, eu causava alvoroço. Não lembro direito o que fiz, só a bronca e o castigo que minha mãe me deu. Três meses sem assistir escondido às aulas de balé no centro comunitário.

Eu amava balé, mas minha mãe não me deixava frequentar por causa do bullying que sofri uma vez. Eu era muito gordinha, e nenhum traje de balé me caía bem. Minha tia Girladânia costurou uma roupa para mim, mas mamãe preferiu que eu apenas assistisse às aulas de longe e dançasse apenas em casa.

Percebi que havia algo errado comigo. Minha mãe tentou me alertar de todas as formas, mas para mim... estava tudo bem. Eu me via tão linda a ponto de conquistar todo o universo. Não me importava em ser gordinha, até ser zombada na frente do meu futuro namorado, que nunca chegou a sê-lo. Foi horrível. Chorei tanto, escondida no banheiro do centro comunitário, que mal conseguia respirar. Minha mãe teve que deixar o salão de beleza com o cabelo escovado pela metade para me tirar dali e me levar para casa. Ela se esforçou tanto para me acolher naquele dia que acabei dormindo em seus braços. Depois desse incidente e do reconhecimento do meu problema, tornei-me ainda mais impulsiva. Queria ser vista não apenas como uma pessoa de rosto bonito, mas também como alguém divertida. Me meti em cada encrenca e percebi que não havia solução. Não podia ser divertida e ter sobrepeso. Todas as garotas divertidas eram magras.

E o inferno começou, e a mamãe nem fez nada para me parar. Passei a rejeitar as sobremesas e o jantar. Depois, comecei a intercalar quais os dias que comeria ou dias que não comeria. Tive anemia, dores nas juntas e cegueira noturna, mas fiquei gostosa o suficiente para usar minissaias e enviar fotos ousadas para um futuro namorado que nunca se concretizou. Naquela época, realizei uma grande logística: comprei filmes, peguei emprestado a câmera de uma prima e fui a uma cidade desconhecida para revelar as fotos. Infelizmente, elas acabaram caindo em mãos erradas. Meu pai, que já estava um pouco nervoso comigo por ter sido pega três vezes dançando em um cabaré, passou a me tratar com indiferença após eu reivindicar suas broncas e gritar na sua cara que era uma puta.

Descendo do SaltoOnde histórias criam vida. Descubra agora