No meio do tempo em que estive sozinha, cochilei. Aliás, peguei no sono pesado e fui transferida para um novo lugar: a cozinha de apoio do salão de festas, que estranhamente estava deserta. Por um momento, pensei que estivesse sonhando ou que fossem alucinações geradas pelo álcool. Fechei os olhos e tentei voltar a dormir, mas, do nada, uma mão começou a balançar meu corpo. Tive medo e apertei os olhos com força. Será que seria vítima de homicídio triplamente doloso?
Já fazia algumas horas desde que coloquei minha vida em perigo. Sob o efeito de impulsividade entrelaçada com decepção, tristeza e medo, desejei o fim. Porém, no fundo da minha alma, não era aquilo que eu queria para mim naquele momento. Talvez dentro de alguns dias ou horas, eu pudesse mudar de ideia. Nunca sabemos! Eu queria viver só mais um pouquinho para tomar um belo banho de praia e saborear uma caipirinha.
— Coração, acorda! — Aquela voz aveludada varreu o medo para longe, e, tranquilamente, abri um meio sorriso. — Consegui fechar a cozinha para nós. — disse ele, ainda balançando meu corpo no intuito de me despertar por completo.
— Como arquitetou isso, James? — perguntei, com os olhos entreabertos. Estava, depois do susto, confortável, em comparação com antes. A mesa de mármore serviu muito bem de cama e os amontoados de panos como travesseiro. O James, o maior mala sem alças, pensou em tudo. — E como me trouxe aqui sem levantar suspeitas?
— Com meu super poder! — respondeu, dando um rápido beijo nos meus lábios.
— James, você é o verdadeiro diabo. — sussurrei em um bocejo, desistindo de abrir os olhos.
Ele me deu mais um beijo e riu à medida que acariciava o meu braço.
— Minha bela adormecida, a mais linda de todas, precisa de água ou algum analgésico? Tenho um na minha carteira, quer?
— Será que vai resolver?
Levei uma mão à cabeça, indicando onde doía, e fechei os olhos com força.
— Não te vejo mal por causa de bebida desde daquele dia que o engomadinho gringo partiu o seu coração. — comentou ele, sentando-se ao meu lado e elevando o nível das carícias. Eu apreciaria os seus esforços em me conquistar por completo se aquele comentário desnecessário não tivesse sido dito. Aborrecida por ter trazido à tona lembranças desagradáveis, abri os olhos de uma só vez e respirei fundo.
Não gostava de relembrar os episódios de coração partido que acumulava ao longo do tempo. Por mais que não me prendesse a um relacionamento sério e poupava os meus sentimentos, homens, com exceções de alguns, sempre dava um jeito de me mobilizar para arrancar, sem fazer esforços algum, a minha alma por completo depois de tirar alguns pequenos aproveito de mim.
Idiota!
Por que somos assim, mulheres? Agimos mais com a porra do coração mesmo tendo todo o cuidado para isso não acontecer, mas acontece! Será que somos biologicamente criadas para sofrer por homens? Eu disse, homens! Sofrer por eles enquanto precisam que nós fixemos uma estaca em suas cabeças ou cortemos seu órgão genital.
— Foi mal, coração! — disse James, dando um outro beijo em meus lábios e interrompendo o avanço das carícias, que trilhava para um estágio perigoso. Sem que eu pedisse nada, ele se levantou e me entregou uma garrafa de água que retirou de uma das três geladeiras disponíveis no local. Além disso, trouxe uma cartela de analgésicos cortada ao meio de forma irregular, que retirou da carteira. Em seguida, ajudou-me a sentar e ficou me observando até que eu tomasse um. — São analgésicos, coração! Pode ler o verso. — disse ele, assim que engoli.
Eu não sentia confortável em tomar comprimidos oferecidos por alguém, mesmo que esse alguém fosse da minha confiança. E James sabia daquilo. Ele sabia de quase toda a minha história. Ele me encontrou em frente de casa, chorando e desorientada depois de ser drogada e abusada por um moleque medíocre que se aproveitou do meu momento de fragilidade. Foi na mesma noite que o meu pai falou pela última vez mais de duas palavras comigo.
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Descendo do Salto
Chick-LitSe fosse realizada uma votação para avaliar a diretora de planejamento e produção de uma das maiores agências de publicidade do país, a Lex Publicidades, a decisão seria unânime: corte a cabeça! Ninguém a suporta, mas precisam cuidadosamente disfarç...