Encontrei um lugar perfeito para chorar as pitangas: o amplo e solitário terraço do hotel, ao lado de duas garrafas de uísque. A escuridão não me permitiu apreciar todos os detalhes da decoração, mas o que consegui perceber era belo. Um jardim vertical serpenteava pelo terraço, e eu podia sentir o perfume das flores, mesmo com o cheiro forte da bebida impregnado em mim. Os móveis, espreguiçadeiras, mesas e cadeiras, brilhavam sob a luz da lua. Não sei se eram de inox ou se tinham uma pintura especial para aquele efeito. Talvez fosse a bebida, ou meus olhos embaçados de lágrimas.
Sentada no parapeito, afundando meus problemas com a boca no gargalo da garrafa, resmungava sobre a vida miserável que tivera até ali. Desde o nascimento marcado pela decepção até a impulsividade que me assombrava a cada aniversário. Mais impulsividade, mais... e mais. O desprezo do meu pai e a violação do meu corpo, tudo em um único dia! E ainda havia o abandono, os julgamentos e outras impulsividades.
Houve um período de paz em que os julgamentos não tinham o poder de me abalar, e a impulsividade não era mais uma parte feia de mim. As pessoas me viam com respeito e admiravam minha inteligência, que ia além dos looks caprichados, do peso ideal e do rosto bonito. Elas depositavam suas apostas milionárias em meus talentos, acreditando em minha capacidade. Eu era a melhor na área e despertava a cobiça das grandes empresas.
Eu era o centro das atenções, e não por motivos sórdidos.
Estava bem.
Muito bem.
Pensava que havia superado o suficiente para que o passado não pudesse me assombrar. No entanto, sem aviso prévio, fui forçada a descer do salto e abraçar todos os meus traumas. Revivê-los e questionar constantemente meus comportamentos.
Eu não queria reviver aquilo.
Eu não queria viver aquilo de novo.
Os julgamentos, as risadas maldosas após um comentário insensível, as conversas encerradas com olhares tortos ao me aproximar, a privação do carinho de alguém que antes se importava comigo, a falta de fé em encontrar meu caminho, o choro preso na garganta o dia inteiro... A vontade de desistir se expandia a cada respiração.
Eu não podia viver aquilo de novo.
Eu já era uma adulta que... nada sabia. Sentia apenas raiva de mim mesma por colaborar involuntariamente em minha própria queda. Por que diabos eu escrevia sobre Ted daquela forma? Por que gravava vídeos aleatórios de dança, dando espaço para que as pessoas falassem mais?
Doía admitir, mas a única culpada por transformar minha vida em um inferno era eu.
Eu.
Eu? Por que faria isso comigo?
— Por que faria isso comigo, Laura Steven? — falei alto o suficiente para ouvir a indignação de uma parte de mim. — O terapeuta já disse uma vez que a culpa não é sua, então por que ainda sinto isso, garota? Eu me odeio quando penso nisso, por favor, pare! — Desolada, pois já não conseguia chorar, levei a garrafa à boca e dei três longos goles seguidos. — Ah, Laura Steven, se eu te conhecesse na infância, teria te ajudado a evitar esse ciclo sem fim. — disse, largando a garrafa ao meu lado e comecei a me mimar, cantando "Twinkle, Twinkle, Little Star" enquanto olhava para o céu.
— Laura? — Uma mão tocou em meu ombro, fazendo me calar. Envergonhada, fechei os olhos e pedi para as criaturas mágicas que o levassem para longe de mim. Não queria ter que explicar minha a cantoria misturada com soluços a ninguém. — Laura, tudo bem?
Ele se sentou ao meu lado e com medo que tentasse algo trágico, deslizou uma das mãos em frente da minha barriga como se fosse um cinto de segurança.
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Descendo do Salto
ChickLitSe fosse realizada uma votação para avaliar a diretora de planejamento e produção de uma das maiores agências de publicidade do país, a Lex Publicidades, a decisão seria unânime: corte a cabeça! Ninguém a suporta, mas precisam cuidadosamente disfarç...