Capítulo 27

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O restaurante estava cheio e muito barulhento, acontecia uma comemoração de alguma empresa onde os funcionários eram todos jovens. Acho que tinham acabado de se formar na faculdade e, com a ajuda dos pais ricos, abriram uma empresa. Quase não dava para entender o que Gregório falava, ele precisava gritar para que eu pudesse compreender. Tivemos o azar de sentar à mesa ao lado deles e nem podíamos trocar. Todas as outras estavam cheias.

— Aqui é sempre assim? — perguntou ele, alternando seu olhar para mim e os jovens barulhentos.

— É difícil ficar assim. — respondi, encarando o pessoal da mesa ao lado para ver se tocasse um pouco e fizesse o mínimo de barulho. — O que vamos pedir? O chefe aqui é espanhol e sabe fazer uma Paella à Valenciana como ninguém. — sugeri, olhando de realce para o Gregório, mas sem perder o meu olhar enfurecido para as criaturas insuportáveis.

— Pode ser. — disse ele, tocando em meu braço para reter toda a minha atenção para si. — Deixa eles pra lá, acho que conseguimos apreciar o jantar com essa trilha sonora.

— Será? — duvidei na sua hipótese, soltando um ar cheio de irritação. Não possuía coisa pior do que jantar sob barulhos de jovens felizes. — Aposto que as suas famílias são ricas e famosas para a gerência daqui não reclamar de nada.

Gregório olhou, outra vez, para eles e ao observar meticulosamente a forma que se vestiam, concordou comigo.

Um bando de riquinhos mimados.

— Odeio ricos que nasceram ricos. — comentei, dando mais uma mal-encarada neles. — Vamos pedir? Só lamento que você não vai conseguir experimentar o bolo de chocolate que vende aqui. É limitado e fazem isso de propósito porque é o melhor bolo de chocolate.

— Por que fazem de propósito?

— Manter o status. — respondi, e ele, confuso, enrugou a testa. Tive que ser mais didática. — Fazem isso para as pessoas voltarem sempre aqui na esperança de conseguir comer uma fatia do bolo. Tem, todos os dias, uma fila gigante assim que abre o restaurante e, às vezes, rola até briga.

— Caralho! — exclamou, achando completamente sem noção o restaurante produzir pouco bolo e as pessoas se submeter a uma humilhação para comê-lo. Para ele, era só um bolo normal de chocolate que poderia comprar em qualquer esquina.

— Reage assim porque não tem noção o quanto é bom e difícil comer uma fatia sempre que desejar. — falei, levemente incomodada com seu julgamento. — Eu, no meu último aniversário, passei três horas na fila e só consegui uma fatia porque provei que era meu aniversário e as pessoas se sensibilizaram.

— O que tem de especial?

— O que ele não tem de especial é o correto para questionar. — corrigi. Gregório achando uma grande viagem minha, riu. Desqualificando o melhor bolo de chocolate e a minha história com ele. Tudo bem que Gregório ainda não possuía conhecimento sobre mais um dos meus traumas, mas custava nada guardar as suas opiniões contrárias e debochadas para si. — E para mim se tornou mais do que especial porque lembra de todos os bolos de chocolates que não fui merecedora em ter nos meus aniversários.

Minha mãe e sua obsessão em me fazer entrar nas medidas corretas para uma menina de minha idade, me privava de todas as guloseimas e fazia um acompanhamento rigoroso no controle do meu peso. Para comer um docinho ou fritura, tinha que ir às escuras para casa da Salete ou da minha tia, a Girladânia. Eram as únicas casas que gostavam de frequentar por não me sentir intimidada a cada respirada que dava. Todo natal, depois de me entregar o presente que nunca iria utilizar na vida porque eram coisas de meninas magras, como biquínis minúsculos, prometia na frente do presépio do menino Jesus se eu fosse uma boa garota teria um bolo especial de chocolate que só ela sabia fazer. Dos sete a quatorze anos não fui merecedora de ter um bolo de chocolate em meu aniversário. Ela, junto com meu pai, me levava ao parque e fazia um piquenique com coisas apenas saudáveis e reforçava a promessa.

Descendo do SaltoOnde histórias criam vida. Descubra agora