Capítulo 26

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Motivada pela raiva, levantei cedo e comecei a preparação para a minha rápida volta à agência. Era tão estranho ter um propósito depois de tantos dias sombrios e sem expectativas. A raiva. A querida raiva! Um sentimento tão destrutivo, mas em alguns casos, a raiva, de mãos dadas com a vingança, pode ser a injeção de ânimo que precisamos para acertar as contas pendentes. É a nossa salvação.

Cada pincelada de corretivo nas enormes olheiras, imaginava alguma punição prejudicial para a qualidade das atividades na agência do dia presente. E o dia posterior também. Precisava deixar uma péssima contribuição na minha última vez na Lex Publicidades. Além disso, era fundamental aparentar estar plena e radiante, mesmo diante dos obstáculos. Para eles, era imprescindível não demonstrar fraqueza, caso contrário, liberaria raios eletrizantes de felicidade em suas veias.

Escolhi uma das melhores roupas e, destemida da cabeça aos pés, fui à agência.

A sensação de entrar pela última vez na Lex Publicidades, a empresa que derramei todo meu sangue e não poupei esforços, era muito estranha. O lugar que tanto amava de estar, já não me deixava bem. Parecia que o espaço reduziu em uns 95%, tornando tudo muito apertado e o ar rarefeito. Se eu não estivesse tão obcecada em registrar a minha última marca, sairia correndo de lá assim que resolvesse as pendências do término do meu contrato. Respirei fundo, ergui a cabeça o máximo que podia e ignorando todos que circulavam em minha frente, joguei os cabelos para trás para enfatizar uma postura de nada me afetou e segui, com passos firmes, em direção à sala de Recursos Humanos que ficava no final de um enorme e largo corredor, no lado oposto ao da minha ex-sala.

Logo nos primeiros dez passos esbarrei com uma das criaturas mais insuportáveis da agência. E talvez do mundo. Marcus, o cara que havia sido demitido há um tempo atrás. Não sei de qual buraco aquele energúmeno saiu, quando dei conta estávamos frente a frente.

— Inversão de papéis! — disse ele, utilizando toda sua imbecilidade, ao se referir sua volta à empresa. Franzi os lábios e tentei continuar a minha trajetória. Era humilhante o babaca do Marcus ter ocupado o meu lugar. O Marcus!— Calma, não vai me parabenizar pela volta? — Ele abriu os braços, impedindo que eu desse mais um passo à frente ou escapasse de uma outra forma.

Coloquei uma mão na cintura e respirei fundo mais uma vez, deixando em segundo plano a minha insistência em sumir de sua frente. Como estava passando uma vibe confiante e tranquila, teria que sustentar o personagem e escutar um pouco das suas idiotices.

— Seu ex-cargo me caiu bem! Que na verdade, nunca deveria ser seu porque você é muito abaixo da média. — disse ele, querendo me desconcertar, com um largo sorriso vitorioso em seu rosto. — Agora sim a Lex está caminhando para o sucesso! Colocou uma pessoa acima da média no cargo certo e que sabe tratar as pessoas com humanidade. A qualidade de bem-estar na agência quadruplicou com sua saída. Não trabalhamos um ambiente hostil e erros são compreendidos como algo que pode acontecer quando se busca a perfeição. Não tem punições ou ameaças, como antes.

― Marcus não vou perder o meu tempo com você. — Naquele momento me limitei a falar apenas aquilo e, mais uma vez, tentei prosseguir meu caminho. E, mais uma vez, o Marcus impediu. — O que queres? — falei alto suficiente para chamar total atenção das pessoas que circulavam próximo e verem que em hipótese alguma eu aceitaria deboches de gentinhas.

— Só quero receber os seus parabéns, perdedora. — respondeu, atiçando o acionamento da minha grosseira máxima.

Perdedora. Quem Marcus era para me xingar daquele jeito? Se fosse da minha família deixaria passar batido ou iria internalizar, mas... o Marcus, um idiota, me xingando?

— Marcus, vai para puta que pariu!

Empurrei-o para que deixasse o caminho livre e, sob burburinhos de terceiros e as risadas insuportáveis do Marcus, continuei o caminho. Faltando pouquíssimos passos até a sala, dei o azar de esbarrar com a pequena traidora saindo de umas das salas que ficavam próximo do RH. Ela, com franja crescida quase entrando nos olhos e grudada na testa, parou em minha frente e deu um sorrisinho desqualificado.

Descendo do SaltoOnde histórias criam vida. Descubra agora