Já Estou no Inferno, Há Muito Tempo...

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Ouvi o carro do meu pai se aproximando, olhei pela janela e ele não estava sozinho. Levantei e fui até a porta.

– Oi, filho!

– E ai?

– Vamos começar as obras!

– Que bom. – disse voltando aos papéis.

– Como está a análise?

– Quando eu terminar, tu saberá.

– Ainda bravo comigo, Felipe?

– O que acha? Perdi minha mulher porque tu não me avisou que eu ficaria ilhado, confinado nessa merda de fim do mundo e tu quer que eu te abrace? Parece que tu não se importa com o que eu sinto, com o que a Clarice sente. Ela me esqueceu, pai, me trocou, seguiu a vida dela por sua culpa. Enquanto ela está feliz nos braços de outro cara eu fico aqui, sozinho conversando com um galo quando que eu poderia estar lá com ela, ou ao menos saber que a guria está me esperando. Clarice deve pensar que eu a abandonei. Tem ideia do que tu fez? Nunca te vi com uma mulher, todos esses anos tu ficou sozinho, talvez precise dar uma boa trepada para voltar a pensar direito.

– Veja como fale comigo, Felipe.

– Depois do que tu fez, pai, quero que se foda o que tu pode pensar... Tu não tem direito de me exigir respeito.

– Está precisando de alguma coisa?

– Que tu vá embora.

Ele baixou a cabeça e foi conversar com os pedreiros, depois foi embora.

'Há mais de um ano não te vejo e para ajudar, é teu aniversário. Queria estar contigo, como eu queria... te beijar, te cheirar, te abraçar, olhar para teus olhos hipnotizantes... Clarice eu sinto tanto a tua falta, sinto tanta saudade... estou ficando doido sem ti. Quero voltar logo, não aguento mais esse inferno... Perdoe-me, por favor.'

No final da tarde, quando os pedreiros estavam indo embora, pedi uma carona até a cidade e consegui, no caminho um deles perguntou há quanto tempo eu estava na fazenda.

– Há mais de um ano, sinto falta da minha guria...

– Está todo esse tempo sem falar com ela?

– Pois é. Consegue imaginar minha ansiedade?

– Consigo, guri. Como vai voltar da cidade?

– A pé.

– Na escuridão? Tu vai te perder facinho! Eu espero tu falar com a guria e te trago de volta.

– Fico agradecido. Sem querer abusar de ti, poderia colocar algumas cartas no correio amanhã?

– Claro. Na volta tu me entrega.

– Obrigado.

Paramos no primeiro telefone público que vimos e liguei para ela, estava ansioso. Ela demorou para atender.

Alô?

– Feliz aniversário, Gata!

Felipe.

– Estou morrendo de saudade, guria! – falei emocionado.

Vá para o inferno com a sua saudade.

Não a culpo por ter desligado o telefone, acho que no lugar dela teria feito o mesmo. Há mais de ano ela não tinha noticias minhas, tive certeza de que pensou que eu a abandonei.

Voltei ao carro para voltar à 'ilha', ao inferno, voltar para o meu amigo galo.

– E ai, guri? Conseguiu falar coma guria?

– Ela me mandou para o inferno. Provavelmente acha que eu a abandonei...

– Não é por menos, mais de um ano...

– Nem fale.

– Pelo menos tu ouviu a voz dela e ela sabe que tu está vivo!

– Preferia ter morrido...

– Capaz, guri. Tenho certeza de que logo tu volta para ela.

– Clarice está com outro.

– E daí? Se o amor de vocês for verdadeiro, ela larga ele e volta pra ti!

Agradeci a carona e entreguei as cartas.

'Eu já estou no inferno, Gata, há mais de um ano e esse inferno é tão longe que o diabo mal aparece. Pelo menos consegui ouvir tua voz doce. Não tiro tua razão de estar brava comigo, mas saiba que eu não te abandonei e não imaginei que eu ficaria por tanto tempo, meu pai disse que seria apenas alguns meses e acreditei nele, só descobri que aqui é o fim do mundo quando cheguei, se soubesse teria te ligado de Porto Alegre, mas deixei para te ligar quando chegasse e me arrependo a cada minuto que penso em ti. Hoje ganhei uma carona para te ligar, amanhã eu tento de novo, talvez tu esteja mais calma e queira falar comigo, gostaria muito disso. Perdoe-me. Te amo muito.'


Dos 18 Aos 66Onde histórias criam vida. Descubra agora