1+(-1)=1

4 1 0
                                    

Clarice se afastou do trabalho para cuidar da nossa filha que tinha completado um ano e como nós não tínhamos ideia do dia em que ela nasceu, decidimos que seria no mesmo dia que a encontrei, mas dois meses antes. A guriazinha já estava quase andando, com quatro dentinhos na boca, era linda, era nossa filha!

Pouco antes de eu sair do consultório, meu pai resolveu aparecer, não parecia bem, estava abatido.

– Filho, precisamos conversar.

– Entre. O que foi?

– A mãe da Clarice... Ela teve uma parada cardíaca... acabou de falecer...

– Tu não está falando sério...

– Joaquim acabou de me ligar, tinha ido para algum lugar e quando voltou a encontrou caída no chão, chamou a ambulância, mas... não adiantava mais... Lamento.

– Caralho, a Clarice já sabe?

– Não. Quero tua ajuda pra contar a ela.

– A guria vai surtar...

Como eu daria uma notícia dessas? Ainda mais para a minha guria... já conseguia imaginar o desespero dela... seria dolorido para nós dois, mas teria de ser feito...

– Já contei para o teu primo, ele está cuidando do velório e enterro... e da papelada toda, Clarice não vai precisar se preocupar com isso...

Passei as mãos na cabeça e pensei a melhor forma para contar, não que tivesse uma forma boa para isso, mas eu precisava ser sutil...

– Clarice está em casa com Sophia, vamos.

Cheguei em casa com meu pai, minha filha estava no colo da mãe, ele a pegou e Clarice quis saber o que tinha acontecido e porquê eu estava daquele jeito.

– Tua mãe, Gata... Lamento.

– O que tem minha mãe? Onde ela está?

– Ela sofreu uma parada cardíaca...

– Onde ela está, Felipe?

A guria já chorava muito, estava desesperada como imaginei que estaria. Abracei-a e expliquei o que tinha acontecido e ela chorava mais. Os choros dela já não me incomodavam mais há bastante tempo, deixei que desabafasse a dor abraçada a mim e foi o que ela fez. Meu pai foi dar uma volta com a pequena para que ela não visse a mãe daquele jeito, ainda era nova para entender sobre a morte.

Clarice demorou alguns meses para superar a perda da mãe, e mesmo assim ainda a pegava triste e pensativa de vez em quando.

Fizemos uma festa dupla quando ganhamos a guarda definitiva de Sophia, no mesmo dia em que ela completava dois anos de idade! Teve piscina de bolinha, mágico e palhaço para as crianças e muito churrasco – lógico! – e bebidas para os adultos! Clarice tinha encomendado dois bolos: um de brigadeiro e outro de frutas, comi muito dos dois!

Cheguei em casa na segunda-feira depois do trabalho e a guriazinha não estava, achei estranho porque depois que a adotamos, raramente eu tinha um momento a sós com a Clarice, ela me esperava na sala, a casa estava toda iluminada por velas e havia pétalas de cravos brancos pelo chão. Fiz uma força para lembrar que dia era... não era nosso aniversário de namoro, nem aniversário dela...

– Gata! Tu preparou tudo isso?

– Gostou? Tenho uma coisa para te contar!

– O que é?

– Depois do jantar! Venha já está pronto!

Ela fez meu prato favorito: lasanha! Estava uma delicia! A guria não tirava o sorriso do rosto, era lindo vê-la tão feliz daquele jeito, mesmo sem eu saber o porquê!

– Espere aqui, já volto! Feche os olhos! – ela pediu.

Fechei e quando avisou que eu podia abrir, vi uma caixinha de presente na minha frente.

– Presente?

Abri a caixinha e dentro tinha um envelope, olhei desconfiado para ela enquanto pegava o papel de dentro. Comecei a ler e me emocionei no mesmo segundo. Larguei a folha sobre a mesa e tapei o rosto para chorar e rir ao mesmo tempo! Confuso, eu sei, mas foi assim: choro com riso ou riso com choro, como tu preferir! Quando percebi que conseguia falar alguma coisa, comemorei:

– Grávida! Tu está grávida, Gata!

– Sim! Seremos pais novamente!

Ela também ria e chorava, me abraçava e beijava! Foi incrível saber que a minha guria que cheirava à cereja estava esperando um filho meu! Tanta coisa me passou pela cabeça! Pintaríamos o quarto de visitas, compraríamos móveis novos e roupas de bebê!

– Quero um guri, Gata! Um gurizinho lindo como ti para atormentar a vida da Sophia!

– Ele terá que ter seu sorriso e seus olhos cor de céu de verão!

– Não! Teus olhos são mais lindos!

Na manhã seguinte fomos à obstetra e ela recomendou cuidados redobrados, pois Clarice já tinha sofrido um aborto.

Já estávamos em Dezembro e no começo do ano seguinte, Clarice reclamou que sentia falta do trabalho. Aproveitamos que Davi estava conosco em casa e conversamos bastante sobre a volta dela para a Fly.

– Clari, você vai prometer que quando não estiver bem, não vai trabalhar.

– Prometo, Davi.

***

Dois meses depois, no meio da tarde recebi uma ligação de Davi. Meu corpo estremeceu e imaginei o que tinha acontecido.

– Felipe... Lamento...

– Clarice está bem?

– Dormindo, está bem.

– Já estou indo.

Chorei à caminho do hospital e quando parei o carro no estacionamento, queria parecer forte para dar apoio à minha guria... ela precisava de mim e eu precisava estar fortalecido para ela.

– Oi, Gata! Como tu está?

– Bem. E você?

– Bem por tu estar bem.

Ela começou a chorar e pediu desculpa, pediu que eu a perdoasse...

– Não foi culpa tua, guria. Não tenho que te perdoar de nada... apenas aconteceu.

– Eu te amo tanto...

– Vamos continuar nossas vidas, temos uma filha para criar! Não fique assim.

Mas ela ficou. Continuou arrasada ainda por alguns dias.

/4 

Dos 18 Aos 66Onde histórias criam vida. Descubra agora