Histórias

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Tudo o que já existiu deixa uma impressão registrada no mundo. Tudo o que já existiu tem uma História e o Labirinto a guarda. O Tempo nos concede todo o tempo necessário para nossa existência nesse plano, pare para escutá-las. Você deve isso aos Treze, eles guardam e zelam por sua existência, escute o que as impressões das existências passadas tem para lhe dizer e seja paciente com tempos passados, o Tempo sera paciente com você. Você pode ser apenas mais uma impressão no mundo um dia, mas tem o poder de fazer a diferença.

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Diego havia adormecido sobre a folhagem a uns dois metros dos restos de nossa fogueira embalado por uma respiração fraca, seu cabelo preto caia sobre o curativo que Gabriele fizera em seu rosto e a manga da camisa estava cortada onde havia outro ferimento em seu ombro. Ele quase parecia outra pessoa depois de se lavar e cuidar dos machucados, mas seu sono estava longe de ser sereno. Algo nele me chamava atenção. Eu estava sentada entre as raízes da árvore, apoiada em seu tronco e desviei meu olhar para Gabriele ao meu lado por um momento. Ela dormia em um nicho ao meu lado, me demorei pensando em como desejava lembrar de tudo o que passava lá dentro e o quanto esse sistema era injusto; criar um laço tão forte com alguém e de repente isso se perder no ar no instante em que você cruzar uma porta. Eu convivia com ela há tão pouco tempo e não seria capaz de calcular quantas coisas ela já fizera por mim, imaginava o que o Labirinto nos permitia lembrar quando nossa travessia envolvia relações humanas, a gente esquecia tudo? Claro que sim, era muita ingenuidade minha. Eu não deveria me apegar a ela. Tarde demais. Nossa convivência seria enterrada lá dentro com nossas memórias. Eu recostei no tronco encarando-a mergulhada num sono profundo, ela com certeza estava cansada, seu cabelo meio loiro estava solto espalhado e mesmo dormindo ela segurava a lança ao lado do corpo, eu sorri enquanto deixei uma lágrima escorrer. Me odiei por isso. Eu adicionei mais um item na minha lista de pautas para a futura reunião que faria com os Deuses um dia e fiz menção de tirar a lança da mão dela quando escutei um barulho.

Eu levantei, recolhi meu arco e dei alguns passos na direção do ruído que escutara me esforçando para enxergar algo em meio ao breu da noite. Encarei mais uma vez minha amiga adormecida, olhei para Diego pouco adiante e fui atrás de investigar as árvores próximas conforme o barulho de folhas secas e pisadas se repetia. Até que avistei um vulto e parei exatamente na posição em que estava com o arco em posição. Minha visão havia se acostumado com a noite, mas não havia qualquer sinal de quem era aquela pessoa, qualquer vislumbre além de um mero vulto. Então a sombra deu mais um passo e aos poucos pude identificar uma vestimenta longa e larga. Eu ameacei abaixar minha arma mas a mantive em posição enquanto a pessoa se aproximava. Quando estava a poucos passos de mim consegui identificar um homem de idade avançada, com uma aparência abatida, cansada e a pele enrugada; ele quase sorria por trás da barba e bigode brancos. Eu me senti confusa mas algo me fez baixar a guarda diante da figura estranha que se aproximava de mim. Estava encarando um senhor, não sei... com aparência de uns setenta anos? Com as vestes velhas e gastas, parado diante de mim com um olhar que parecia pedir atenção. Meu arco estava pendurado no meu braço enquanto eu buscava compreender o que estava acontecendo. Ele não era real, isso eu sabia. Quem quebrou o silencio foi ele.

_Venha comigo menina - ele estendeu o braço em minha direção e sua mão escorregou para fora de uma túnica escura puída que caia sobre uma calça igualmente velha - me acompanhe.

Eu ponderei. Escaneei sua figura de cima a baixo e vi que estava descalço. Talvez a forma como estava avaliando-o fosse tão ofensiva quanto questioná-lo se era real ou não. Ao menos eu não fizera isso, muito menos pretendia fazer. Ele recolheu a mão estendida conforme eu me demorava em responder ou acompanhá-lo mas permaneceu imóvel como se fosse aguardar que eu me pronunciasse. Talvez ele tivesse algo importante para dizer, talvez fosse só um teste, ou talvez eu devesse virar as costas e voltar para junto de Gabriele. A verdade é que não fiz nada. Quanto mais o encarava, mais sentia que ele me transmitia algo. Porém não podia seguí-lo.

O Labirinto dos DeusesOnde histórias criam vida. Descubra agora