A Clareira

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As entranhas do Labirinto abrigavam algo de muito vivo em seu interior, seus corredores, rios, vegetação e até concreto pulsavam assim como o sangue que corria em minhas veias e carregavam em suas vibrações o fluido vital do universo lhe conferindo uma energia única. Havia ainda, como qualquer corpo, um coração pulsante - a clareira - emitindo e bombeando energia para cada corredor e caminho. Poucos tocavam-no intimamente, poucos guiavam-se honrosamente até seu ponto máximo de convergência.

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Talvez a vida não fizesse sentido, ou eu estivesse cansada de buscar um sentido em tudo. Talvez fosse uma grande piada de mau gosto, talvez me faltasse senso de humor. Aquilo era ridículo, talvez fosse a droga de um teste... A verdade é que era verdade, acontecera diante de meus olhos e eu não fizera nada para impedir. Ali, naquele momento, eu havia perdido os sentidos, meus reflexos e minhas reações. Gabriele permanecia imóvel e eu estava debruçada sobre seu corpo sem saber o que sentir, a dor e a raiva que me atingiram me anestesiaram. Eu senti minha mente me abandonar transformando meu interior num grande vazio como se eu tivesse me desfeito ali junto dela, odiei cada um dos Treze por me tirarem outra pessoa, me odiei por não fazer nada e permitir que ela fosse tirada de mim.

Então escutei passos soando como num mundo distante, meus sentidos me enganavam, ecoavam em minha mente vazia, meus ouvidos me traiam. Eu ignorei, me entreguei ao que quer que fosse e permaneci caída de joelhos protegendo o corpo imóvel de Gabriele com o meu, se eu não fui capaz de protegê-la, não me importava mais nada. Os sons de passos aumentavam cada vez mais e eu só queria que acabasse. Eu pedia aos Deuses que acabasse, que desse um fim em mim. Minha mente se tornou um aglomerado de passos, ecos sobre ecos, passos sobre passos... Até que tampei os ouvidos e debrucei sobre ela abraçando-a aguardando pelo momento em que tudo acabaria para nós duas, nós duas juntas. Então escutei o ultimo eco e eles cessaram completamente. No instante seguinte uma mão pousou no meu ombro.

_Pandora. - eu escutei meu nome, um som limpo e claro em meio ao turbilhão de caos que se instalará dentro de mim, em meio ao vazio de dor que eu me tornara.

O peso da mão em meu ombro e a voz estranha chamando meu nome acordaram minha mente para a realidade a minha volta. Eu não precisava temer o estranho, nenhuma ameaça chegaria assim, então o choque de realidade atingiu meus sentidos. Meu olhar caiu sobre Gabriele pousando em seu rosto com os olhos fechados e as mechas de cabelo espalhadas sobre as bochechas; todas as lagrimas que eu estava segurando vieram de uma vez.

_Pandora - o estranho repetiu ainda com a mão em meu ombro. - você não pode fazer mais nada por ela.

Eu sabia disso. Eu não precisava que ninguém me dissesse. Era justamente isso que fazia com que me odiasse ainda mais, era por isso que estava desesperada vendo-a a minha frente. Eu só queria ficar sozinha, não precisava de nenhum estranho me dizendo o que fazer. Naquele momento eu não era capaz sequer de processar o fato de o estranho saber meu nome.

Pude sentir a pessoa se ajoelhando ao meu lado mas não ousei olhar, a mesma mão que estava em meu ombro puxou meu braço separando-me de Gabriele e, por mais que eu não quisesse deixá-la, estava tão exausta mentalmente que me permiti ser levada. Foi quando olhei para o lado e vi um garoto tão negro quanto Alice e pouco mais alto que ela usando roupas tão velhas quanto as de Sérgio e segurando uma lança com a mão livre. Por alguns segundos quase tive duvidas se ele era mais uma ilusão, outra impressão do Labirinto, mas eu tinha certeza que não - ele era real, tinha que ser.

_Você não pode fazer mais nada por ela. - ele repetiu e eu o odiei por me lembrar de minha inutilidade - venha comigo, Pandora.

Eu o deixei me tirar de cima dela em minha forma mais frágil e vulnerável. Ele me ajudou a ficar em pé me levando pouco a pouco para longe do corpo da pessoa com quem havia compartilhado minha vida nos últimos dias. Eu queria perguntar o que estava acontecendo, mandar que me soltasse e voltar para junto dela, abraçá-la, perguntar a ele como sabia meu nome... mas, ironicamente, a única coisa que saiu foi o que eu critiquei nela tantas vezes.

O Labirinto dos DeusesOnde histórias criam vida. Descubra agora