Sozinha

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Se podemos indicar um caminho mas cada um deve cruzá-lo por si mesmo, nada podíamos fazer além de respeitar sua escolha. Eu acredito que não devíamos viver sozinhos, que o mundo é um lugar muito difícil para se atravessar sozinho. Não importa quantos anos você tem, você sempre será frágil demais para o grande teste da vida. Penso que os Treze não olham para nós sozinhos, mas nós respeitamos sua escolha assim como cada uma deve ser respeitada. Nós devemos seguir em frente e permitir que cada um trace seu caminho.

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Caia uma chuva fina e fria, nós havíamos parado por um momento e a copa cheia das árvores nos protegia da maior parte dos pingos gelados. Havia muito tempo que eu não sentia a chuva sobre minha pele, mesmo fora do Labirinto. Uma parte de mim agradecia por isso recordando momentos de um passado aparentemente distante enquanto outra parte dentro de mim lamentava o frio que eu sentia naquela tarde. Minha vida fora do Labirinto parecia ter ficado em algum lugar muito distante na minha linha do tempo, eu me lembrava das coisas que se passara fora dali como se fossem uma realidade bem longe. Olhei para Timothy ao meu lado, tão grudado ao tronco da árvore quanto eu, eu sabia que ele sentia falta de casa. Eu não podia negar que um teto quente seria muito bem vindo. Nossa casa também havia ficado em algum momento distante para mim e eu queria alcançá-la novamente.

Havia muitas coisas das quais sentia falta: minha cama, o cheiro do café da manhã e especialmente do almoço, ter Zac a alguns passos de mim - acho que poucas pessoas no mundo tem a sorte de ter seu melhor amigo tão perto -, meus livros, de Caio e Alice também apesar de conhecê-los há tão pouco tempo e até da escola eu sentia falta. Por um momento maluco, enquanto via a cortina gelada de pingos a minha frente, eu me imaginei no quintal de casa sob a sombra da nossa árvore contando para Zac tudo o que havia acontecido dentro do Labirinto; as coisas fantásticas e maravilhosas que eu tinha visto, as conversas com os Deuses, tudo o que estava aprendendo sobre o mundo que me deixava tão intrigada sobre nossa vida e até mesmo sobre o tempo que passei com Gabriele. Eu tirei os fios de cabelo molhado do rosto e enxuguei os olhos na manga da blusa. Como eu desejava que aquilo fosse possível... Todos temos alguém com quem contamos e desejamos partilhar momentos incríveis, até mesmo nossas dores, alguém que nos entende e que sua ausência nos deixaria um enorme buraco na vida. Eu lamentei profundamente que eu passaria pelo esquecimento do Labirinto ao sair da minha travessia, isso era algo que eu desejava compreender tanto quanto desejava entender os mistérios entre a vida, o mundo e os Treze. Suspirei admirando o céu nublado através da cortina fina e fria.

Com o céu levemente escurecido, eu acreditava que já estávamos perto do fim da tarde quando a chuva diminuiu devagar até parar deixando um cheiro de terra molhada no ar. Aquela era nossa deixa, eu arrumei meu arco nas costas e ajeitei a mochila sobre os ombros antes de me levantar. Era muito difícil saber realmente para onde estávamos indo com as copas das árvores cheias encobrindo a maior parte do céu, então decidi seguir sempre o mesmo rumo sem desviar muito o caminho - eu acreditava que esse era um jeito mais confiável de me guiar lá dentro em meio às partes de florestas e vegetações fechadas. Nós continuamos aproveitando o resto de dia e eu desejava que minha teoria de seguir sempre o mesmo rumo estivesse certa. As vezes eu tinha a sensação de não sair do lugar por mais que andássemos até sentir o corpo dolorido, por mais que seguíssemos em frente até o dia virar noite.

A cada passo eu sentia meus pés afundarem e repuxarem em meio a terra batida ainda molhada e nossa caminhada fazia tanto barulho sobre o barro vermelho, que a chuva deixou para trás, que eu tinha a sensação de estar sendo seguida. Ou que cairíamos em alguma armadilha a qualquer momento. Uma sensação sombria preencheu suavemente o ar a nossa volta conforme andávamos e eu poderia jurar que aquilo era um resquício deixado pela chuva. Estranho. Como se algo muito estranho estivesse nos acompanhando a partir dali. Passei a observar o caminho com mais cuidado ponderando minhas escolhas conforme precisávamos decidir entre dois corredores por entre as árvores, ou éramos obrigados a seguir por um rumo certo. A floresta parecia maior que antes e os Vitta Cells dali estavam levemente agitados.

O Labirinto dos DeusesOnde histórias criam vida. Descubra agora