18 - Se Escondendo

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Um floco paira sobre a janela do carro. Sua forma geométrica completamente diferente dos outros que caem lá fora onde à neve já dominou. Talvez o floco de neve devesse ser um exemplo para sociedade, cada um com sua forma, mas, mesmo que sejam diferentes, são igualmente importantes. Eu não sei por que estou pensando nisto, talvez remorso, eu só queria poder ter percebido isso há quatro meses antes, nada do que eu fui, ou fiz, durante todo esse tempo parece importar agora. O que realmente importa agora é encontrar meu pai, é só nisso que penso e mais desejo.
Um arrepio gélido percorre minha espinha, e, instantaneamente meus olhos correm para minha perna recém curada. Ainda estou atônita com isso, é quase impossível de se acreditar e estou constantemente movendo-a para confirmar o improvável.
  Aquele filho da mãe me acertou em cheio na perna, pegando-me distraída. Seu chute foi tão forte que além de jogar meu corpo longe, tirou meu osso do lugar, essa foi a maior dor que já senti em todo a minha vida – algo me diz que isso será apenas o começo. Mas então, essa sensação foi coberta pela a que emanava da magia de Ravi, era estranhamente boa e viva. Como se a luz, a energia que surgia da palma da mão dele, não apenas consertasse minha perna tal como me dava força, certa revitalização. Sentia-me gradativamente viva, enérgica. Ao contrário de Ravi que parecia ter corrido uma maratona, de tão cansado e ofegante que estava após curar minha perna.
Estamos indo a um hotel que Luna indicou, aliás, foi a única coisa que ela dissera durante todo o percurso. Na verdade, quase ninguém falou nada, provavelmente em respeito aos gêmeos. Presumo que ela esteja em estado de choque, sem contar pelo excesso de informações das últimas seis horas, sua mãe acaba de falecer e para salvá-la. Eu não faço a mínima ideia de como ela está se sentindo – no mínimo péssima, mas posso imaginar, deve ser algo parecido com o que eu sinto quando penso por onde está meu pai e o que possa ter acontecido a ele.
­­— Falta muito? – pergunto.
Minha voz sai um pouco rouca demais, ajeito-me um pouco no banco.
— Hum... – Bryan resmunga – Não. Mas estamos quase chegando.
— Humpf! – reviro meus olhos – Não aguento mais ficar nesse carr...
— Chegamos! – responde ele, virando-se para mim.
Ravi e Luna se movem em seus assentos. Mais de uma hora nesse carro foi desgastante para todos. Isso por que tínhamos que ir o mais longe da cidade possível. Os caras engravatados poderiam aparecer, segundo Andrew.
— Antes de sairmos, é melhor esclarecer algumas coisas. – Andrew vira-se para todos, finalmente.
Por todo o caminho, ele parecia tão distante quanto eu, talvez pensando no que vamos fazer ou como o pai de Bryan sumiu – que é bastante estranho.
— Precisamos ser cuidadosos, quero dizer... com tudo. Esses poderes, com as pessoas, não chamar a atenção é essencial. Parece que estamos sendo perseguidos pelo governo, ou governo secreto, então não tem como saber se eles têm algum espião ou algo assim por aí espalhados por Nuuk.
— O que estamos fazendo aqui? – pergunta Bryan – Sabe, se perguntarem para nós. Cara, somos cinco adolescentes sozinhos.
— Eu não havia pensado nisso – Andrew diz com uma expressão confusa.
— Isso vocês podem deixar comigo, digam apenas que estamos viajando – Ravi responde erguendo uma de suas mãos.
Nós três nos entreolhamos. Bryan dá de ombros, fazemos o mesmo e saímos do carro. Ao sair quero certificar que minha perna está realmente boa dando leve pressionadas ao chão, felizmente, está tudo certo. Luna é a última a sair. Ela ajeita seus óculos e olha para bem longe de nós, parece perdida em seus pensamentos. Então caminhamos para o pequeno hotel.
O prédio tem apenas nove andares e sua cor vinho envelhecido não é muito convidativa, parece um hotel simples. O que é perfeito para nós, para nos escondermos. Mesmo que não fiquemos muito tempo por aqui, temos que nos precaver.
A decoração do hotel é simples também. Tantos os móveis quanto à decoração e empregados e as cores marrom e branca são predominantes. Luna e eu ficamos um pouco atrás dos garotos enquanto eles falam com o recepcionista. Então aproveito para me aproximar dela.
— Já havia vindo aqui? – pergunto baixinho.
Por um instante acredito que ela não irá me responder. Porém me surpreendo ao vê-la ajeitar seu óculos e olhar para mim.
— Sim. – ela responde – Com a minha mãe, ano passado.
Engulo em seco e ela volta a baixar sua cabeça.
— Eu... eu sinto muito Luna, não pensei que...
— Não, tá tudo bem, afinal não tinha como você saber. – ela funga.
Eu nem sei o que fazer e como reagir, então me calo. Os meninos se aproximam dizendo algo sobre como o Ravi conseguiu falar com o recepcionista, me deixando um pouco aliviada.
— Eh... Gwen, Luna, vocês ficarão em um mesmo quarto e nós em outro. Tudo bem? – Andrew diz erguendo a chave.
Ele me fita, mas seus olhos vão até Luna, ele parece estar evitando fazer isso.
— Por mim tudo bem. – suspiro e pego a chave de sua mão.
No elevador há um retorno do silêncio misturado com a música do ambiente. Bryan assobia com um leve sorriso no rosto e então todos nós sorrimos. Um sorriso após todo o caos. Do que estamos rindo? Nem nós sabemos. Estamos exaustos e confusos, a única coisa que pode nos trazer uma pequena paz é rir um pouco.
O elevador apita e para. Ao abrir a porta saímos às presas em direção ao corredor. Parece que neste andar só tem nossos quartos e mais um ocupado. Paramos em frente a duas portas marrons com os números quinze e dezesseis.
— Bom o quinze é o de vocês. Tomem banho, façam o que tenham de fazer e batam aqui no quarto, temos que conversar sobre algumas coisas antes de dormir — ele explica enquanto abre a porta de seu quarto – se cuidem.
Ele entra no quarto e os outros o seguem e fecham a porta. Durante o percurso percebi que ele tem me olhado de maneira estranha e discreta. Talvez por que esteve preocupado comigo ou então o fato de que estávamos quase nos beijando há duas horas.
Somos diferentes um do outro, mas eu não sei dizer. Não o que sinto por ele, mas ainda é muito cedo para dizer algo e não tenho tempo para pensar nisso, não agora.
— Então aqui vamos nós. – digo abrindo a porta e entrando no quarto.
Sinto-me mais leve, mas com um banho isso vai melhorar muito.
Há duas camas de solteiro forradas com um lençol branco, tem também uma porta no fim do quarto, ao lado da cama da direita, que imagino ser o banheiro. Do lado da cama esquerda tem uma janela com cortinas brancas. A madeira da cama é marrom, na verdade, todos os móveis aqui são. Perto das camas existem duas escrivaninhas com abajures em cima, na parede em frente a elas há uma pequena TV pendurada no alto.
Jogo minha mochila na cama e jogo meu corpo, deitando-me. Consigo ver Luna sentar-se na beirada da cama. Ela observa todo o quarto e volta seu olhar para o chão. Daqui seu cabelo parece bem mais bonito que o normal junto à luz da lua que vem da janela. Sento-me devagar ao seu lado.
— Eu... eu só queria que ela estivesse aqui. – ela suspira com seus ombros caídos – Eu não sei o que vou fazer agora, não sei o que está havendo comigo, se ela estivesse aqui ela poderia me... me ajudar. Eu ainda não consigo acreditar.
— Ei, eu sei que é difícil. – digo lhe abraçando – Ela se foi para te salvar, parece até um sonho. Mas, querendo ou não, aconteceu. A única coisa que pode fazer é honrar a sua morte, mostrando que seu sacrifício não foi em vão e com certeza não foi, e sua mãe sabia disso. Nós vamos fazer o possível pra ajudar vocês. Estamos aqui para isso, agora somos uma família.
Consigo ouvir seu choro abafado pela minha roupa. Ajeito seu cabelo cinzento para trás a afagando. Estou começando a me sentir péssima, me sentindo em seu lugar e a dor é imensurável. Mas isso foi tão repentino.
— Não esqueça-se disso – lágrimas involuntárias escorrem de meus olhos – vamos te ajudar em tudo que você precisar... tudo.
Abraço-a fortemente e então a viro para mim. Ela limpa suas lágrimas me fitando e, por um instante, me sinto calma e relaxada.
— Você precisa tomar um banho para relaxar um pouco, ainda temos que ir falar com os garotos. – ela concorda com a cabeça.
— O problema é que minhas roupas... eu não trouxe nenhuma roupa, neste momento elas devem estar sendo usadas como prova para os tais agentes secretos. Se é que há uma chance delas estarem inteiras depois daquela explosão. – ela cora e para de falar rapidamente, voltando a olhar para seus pés.
­­— Bom, eu devo ter algo aqui. Provavelmente usamos quase o mesmo número. – ela assenti freneticamente. – Agora vá tomar seu banho.

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