20 - Indecisões

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As pontadas em minha cabeça quase não me deixam dormir, tendo em vista que fui dormir a apenas três horas, e meu corpo todo dói, não ajudando muito. Sinto como se estivesse sido atropelado por um caminhão e todo o ocorrido de ontem parece pesar ainda mais sobre hoje, literalmente. A água no rosto ajuda à aliviar um pouco, mas precisarei de remédios para me manter acordado e afastar a dor.
Sentado na cama vejo que os outros ainda dormem, tenho que acordá-los para partimos do hotel. Vamos para a casa dos avós de Luna, que coincidentemente estão de férias na Flórida. A casa se localiza quase no interior da cidade, segundo Ravi, é um lugar afastado e rodeado de árvores, e com toda essa neve o máximo que vamos encontrar são coelhos. Sendo então o local perfeito para ficarmos por enquanto.
Não me aproximo dos garotos e nem faço menção que vou acordá-los, minha mente viaja na noite de ontem, Gwen. Eu não tinha – e nem me permitia – parado para pensar sobre, mas depois do que impulsivamente disse ontem, por mais que eu queira, não posso evitar me perguntar: o que sinto por Gwen? Mas meu subconsciente não me dá respostas, estou confuso e isso é fato. Eu sempre a admirei de longe, por sua beleza... mas nada relacionado aos sentimentos, mais como atração. Na minha percepção de tempo, esses últimos dias parecem semanas, porém não tem nada mais que quatro dias desde que sai de casa. Pode alguém se apaixonar em apenas quatro dias? Tanta coisa aconteceu de uma só vez e a cada dia me sinto mais próximo a Gwen. Mas e se eu estiver me precipitando? E se ela está certa? Pensando bem, a ideia de namoro durante uma busca quase impossível por pais desaparecidos, contra homens que se transformam em monstros chega até parecer maluquice. Talvez eu deva focar em encontrar meus pais, assim como ela. Em saber tudo o que está havendo. Porém, é mais fácil falar do que fazer, fica difícil focar em alguma coisa quando minha mente e barriga deliram quando simplesmente vejo algo do mesmo tom de seu cabelo e dos olhos, quando minhas mãos soam toda vez que estou próximo a ela, ou até mesmo quando ela me olha. Mas você tem que tentar! Ordena, meu subconsciente.
O fato de não saber o que sinto por ela, o que devo fazer, é tão frustrante quanto não saber onde estão meus pais, ou por que monstros esquisitos me perseguem.
Coloco meus cotovelos sobre o joelho. Ouço apenas o momento em que meu celular desliza do meu bolso e se choca com o chão, fazendo os garotos se revirarem na cama. O pego rapidamente e me deparo com o meu papel de parede – uma foto minha com os meus pais. Nossa foto de natal do ano passado, minha mãe veste um vestido vermelho e meu pai um terno preto, tínhamos acabado de chegar de uma ceia dos amigos deles. Cabelo castanho claro, lindo par de olhos azuis e pele em um tom de neve, é assim que meu pai a descreve, dizia parecer um pouco com a própria branca de neve. Cabelo de um preto brilhante, olhos de castanhas e um sorriso encantador e contagiante, assim minha mãe falava de meu pai, dizia também que era impossível não sorrir quando ele sorria. Olhos da mãe, cabelo e sorriso do pai, é assim que assimilam meus pais a mim. Mas nunca acreditei nisso, quem dera eu tivesse o mesmo sorriso do meu pai, ou até o encanto dos olhos da minha mãe. Sorriso radiante como o sol, olhos azuis e calmos como o mar.
Neste dia me deram um console de videogame. Eu já pedia por este há meses, deixei milhares de dicas – bilhetes, pôsteres, propagandas, entre muitos outros –, tudo que podia fazer para que indiretamente eles soubessem o que eu queria.
A lembrança me faz sorrir. Sinto tanta falta deles, que até dos castigos tenho saudades. Tento ligar para eles novamente, mandar mensagem, mesmo sabendo o resultado, não deixo de perder as esperanças, e só fico completamente frustrado ao ouvir o som do fim da chamada. O som da decepção, eu penso. Cinquenta ligações e sessenta mensagens – algumas aleatórias – no histórico do meu celular. Nenhuns dos dois números funcionam.
Às vezes penso em voltar para casa, imagino que quando chegar lá eles estarão a minha espera e tudo isso não vai passar de um sonho. Mas sei que não é verdade, meu subconsciente não me deixa sonhar e me mantém com os pés no chão, sempre trazendo a imagem dos monstros e até mesmo criando uma em que meus pais estão presos em algum lugar. Logo o pai de Bryan me vem à mente. Eu não consigo entender o que houve, ele estava conosco e de repente some, sem pistas nenhuma e nem um recado para o próprio filho, só consigo pensar no pior, e me culpo por isso. Ele não estaria lá se não fosse por mim, Bryan não estaria. Já não bastava ter envolvido ele em tudo isso, coloco seu pai também e agora, assim como os meus, ele está sumido.
— Não se culpe por ele – a voz sonolenta de Bryan me tira de meus pensamentos – Você não tem culpa e nem deve se sentir culpado pelo sumiço dele, só se você for um dos sequestradores.
Ele sorri se levantando da cama, Bryan sempre sabe o que disser para me acalmar, como se ele pudesse ler minha mente.
— E de algum jeito eu sei que ele está bem, meu pai sabe se cuidar. Ele me ensinou a ser forte e é isso que ele é. Seja lá onde e com quem estiver, ele está bem.
— Eu – suspiro e o encaro – Vamos encontrá-lo, eu prometo.
— Sei que vai – ele afirma e corre para o banheiro.
De certo modo, ele está certo. A culpa não é toda minha, parte é daqueles monstros, desses tais agentes que nos perseguem, afinal, o que fizemos? Independente da resposta, sinto que não devo, e não vou, deixar que mais pessoas sumam, que mais pessoas se machuquem. Precisamos ficar fortes para poder nos defender, para defender aqueles que não podem, defender Bryan. Preciso ficar mais forte para protegê-lo, não ou permitir que ele se machuque. Ele não vai sair de tudo isso nem que eu implore, então, o mínimo que posso fazer é proteger ele a todo custo, preciso proteger todos, e eu vou. Não sei a origem desses poderes e nem o que significam, mesmo assim vou usá-los ao meu favor, e assim serei capaz de defender tudo aquilo que é importante para mim.
Um vigor percorre por todo o meu corpo, cerro o punho e, por um instante, os objetos do quarto estremecem, mas logo param quando uma dor na cabeça atinge minha cabeça. Ravi pula assustado da sua cama que volta ao chão, fazendo tremer um pouco e um sorriso se esboça em meu rosto.

ODDG

O Destino Dos Guardiões - Em RevisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora