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Lentamente abro os olhos e me arrependo de tê-lo feito. As cortinas estão completamente abertas e o sol invadindo por completo meu quarto. Grunhi ao perceber que cai no sono e nem ao menos me lembrei de fechar as grossas e escuras cortinas. Me levanto cambaleando, sou tentada a simplesmente fechar as cortinas e voltar a me deitar e dormir por um tempo indefinido, mas lembro que devo ir ao campus e ainda ir ao mercado. Suspiro longa e profusamente, eu deveria estar empolgada, deveria sentir vontade de explorar esse lugar novo e diferente, e até sinto, mas o fuso-horário e o cansaço só fazem com que eu sinta vontade de fechar os olhos por apenas mais alguns minutos...
Meus olhos doíam, a intensa luz matutina os deixava sensível. Independente de voltar a dormir ou não, eu puxo a cortina e a fecho. Me direciono ao banheiro, apenas água gelada terá o poder de me tirar desse transe.

...

Pouco tempo depois estou pronta, ainda sinto sono e ainda quero dormir, mas o ronco do meu estômago me guia até o elevador e do elevador até a portaria e assim adiante até que me vejo dentro de uma cafeteria contemplando os pães e doces da vitrine. Compro uns pãezinhos e um café e sigo olhando em um pequeno mapa que tenho em mãos, o campus é bem próximo do meu prédio, nem ao menos preciso tomar um táxi. Eu havia tentado decorar esse mapa durante as horas que passei dentro do avião, mas em vão. Vou seguindo em frente com o mapa em uma mão e meu café em outra, até que quase tropeço em alguém, minha distração quase me leva a derrubar café preto na camiseta branca e impecável de uma garota baixinha que me olha com olhos assustados, surpresa.
- Me desculpe - começo a dizer em inglês, até que bato em minha testa com uma das mãos, me dando conta de que não estou mais na Inglaterra.
A garota aparentemente entende inglês, seus olhos assustados se tornam curiosos.
- Sem problemas - ela me diz sorrindo, com um inglês que aparentemente soava melhor do que meu coreano. - Você deve ser nova por aqui, uma turista?
Gentileza. Decido que essa é uma ótima hora pra colocar meu coreano a prova. Fiz aulas por anos, e treinava com minha mãe, que é nativa daqui, mas nunca o usei com mais ninguém.
- Me mudei recentemente, estou à procura do campus. Meu nome é Wendy - digo sem graça, com uma leve vergonha do meu coreano que sai enferrujado e com um forte sotaque.
Ela sorri de orelha a orelha ao notar que falo seu idioma.
- Oh! Você fala minha língua, isso é ótimo. Sou Takayuki Makino, me chame de Makino - ela estende sua mão e eu a pego. - Posso te acompanhar até o campus, estou indo pra lá agora, primeiro dia de curso certo?!
Eu sorrio para sua pergunta retórica, me sinto contente por ter conhecido alguém tão simpático, gostaria de demonstrar mais fervorosamente meu agradecimento. Eu quase a encharco de café quente e ela ainda me ajuda, se estivesse na Inglaterra teria ouvido umas palavras bem mau educadas ao invés de um sorriso.
Nós seguimos caminhando até o campus e Makino inicia perguntas que não me importo em responder.
- Você é inglesa então? Eu poderia reconhecer esse sotaque - ela diz risonha.
- Sim, sou de Cambridge.
Ela me olha com curiosidade.
- Por que decidiu fazer faculdade em um país tão longe, com uma cultura tão diferente?
A pergunta de Makino me faz refletir a respeito de minhas escolhas, acho que não causaria uma boa impressão dizer que a Ásia não é longe o suficiente da frieza e ceticismo da minha mãe, seria uma resposta evasiva, estou no mesmo país que minha mãe estava a uns 45 anos atrás, e sua frieza encontro em mim, ela vem e volta, variando nas dosagens. Decido dizer a verdade parcial, a que me motiva.
- Estou seguindo meu sonho, testando minha independência. - Digo sorrindo.

...

As horas passaram rapidamente, Makino era espontânea e divertida, nem um pouco tímida, era fácil conversar com ela e responder suas perguntas, o que eram muitas, perguntas sobre meu país, perguntas sobre minha aparência ("você não tem olhos orientais, mas tampouco são ocidentais...?!", tenho olhos grandes e bem levemente puxadinhos, são claros, mas não chegam a ser verdes, são castanhos claro, cor de mel com uma leve pigmentação esverdeada perto da íris e nos cantos inferiores.), Makino fez perguntas até mesmo sobre minha infância, o mais "assustador" não foram suas perguntas, seu interrogatório, mas a naturalidade e facilidade com a qual eu respondia.
O campus era enorme e lindo, me lembrava um pouco da universidade de Cambridge, onde eu deveria estar estudando se tivesse dado ouvidos a minha mãe. O curso se iniciava ás 8h10 e terminava 11h50, três vezes por semana (segunda, terça e quinta), depois eu tinha o dia todo livre pra fazer o que quisesse, o que nesse caso seria dormir e dormir até todo esse sono e cansaço extinguirem.
Makino morava em um condomínio fechado a um quarteirão do meu prédio, acho que esse foi o principal motivo para termos nos "esbarrado", a maioria dos alunos do curso morava por perto por motivos óbvios, Makino combinou comigo de sempre nos encontrarmos na frente do meu prédio para irmos juntas até o curso, normalmente eu teria preferido ir sozinha, a necessidade do uso de habilidades sociais sempre me assustou, mas nesse continente diferente, cercada de pessoas diferentes, eu simplesmente me sinto diferente.

V+ictoryOnde histórias criam vida. Descubra agora