A FELICIDADE
"Desde a época mais recuada da antiguidade, o homem sentiu necessidade imperiosa quão inadiável de vencer a dor e as vicissitudes, libertando-se da angústia e superando o medo da morte. Sustentado nos primeiros tentames pela inspiração espiritual, buscou na intimidade dos santuários a elucidação de vários dos enigmas que o afligiam, para diminuir a crueza das perspectivas de sombra e morte a que se via constrangido a considerar. No entanto, com o nascimento das primeiras escolas de pensamento, que buscavam, através dos seus insignes mestres, a elucidação dos tormentosos mistérios a respeito da vida, perlustrou roteiros diversos, ora em ansiedade, ora em lassidão, padronizando por meio de regras fixas uma conceituação filosófica de tal modo eficaz que o libertasse do medo, fazendo-o tranquilo.
Sem remontarmos à Antiguidade Oriental estabeleceu-se, a princípio, na Grécia, que a felicidade se nutre do belo, por meio do gozo que decorre da cultura do espírito. Enquanto viveu, Epicuro procurou demonstrar que a sabedoria é verdadeiramente a chave da felicidade, mediante a qual o homem desenvolve as inatas aptidões da beleza, fruindo a satisfação de atender as mais fortes exigências do ser.
Pugnavam os epicuristas pela elevação de propósitos, demonstrando que as sensações devem ceder lugar às emoções de ordem superior, a fim de que o homem se vitalize com as legítimas expressões do belo, consequentes aos exercícios da virtude por meio da qual há uma superior transferência dos desejos carnais para as alegrias espirituais.
Posteriormente, o ideal epicurista, também chamado hedonista, sofreu violenta transformação, passando essa Escola a representar um conceito deprimente, por expressar gozo, posse, prazer sensual. Fixaram os descendentes do filósofo de Samos – que elaborara o seu pensamento nas lições de Demócrito oferecendo-lhe vitalidade moral –, o epicurismo nas lutas pela propriedade, ensinando que o homem somente experimenta felicidade quando pode gozar, seja através do sexo desgovernado ou mediante o estômago saciado. Fomentaram a máxima: possuir para gozar, ter para sobreviver, esquecidos de que a posse possui o seu possuidor, não poucas vezes, atormentando-o, por fazê-lo escravo do que tem.
Antes do pensamento epicurista, Diógenes, cognominado o Cínico, graças à sua forma de encarar e viver a vida, estabelecia que o homem deve desdenhar todas as leis, exceto as da Natureza, vivendo de acordo com a própria consciência e com total desprezo pelas convenções humanas e sociais. Era um retorno às manifestações naturais da vida, em harmonia com o direito de liberdade em toda a sua plenitude. Pela forma como conceituava a Filosofia, incorporando-a à prática diária, foi tido por excêntrico. Desdenhando os bens transitórios passou a habitar um tonel. E como visse oportunamente um jovem a sorver água cristalina que tomava de uma fonte com as mãos em concha, despedaçou a escudela de que se servia por considerá-la inútil e supérflua, passando a fazer como acabava de descobrir... Desconsiderou, em Corinto, o convite que lhe fora feito por Alexandre Magno, desprezando a honra de governar o mundo ao seu lado e admoestando-o por tomar-lhe o que chamava "o meu sol".
Fundamentada no amor à Natureza e suas leis, a doutrina cínica considerava a desnecessidade do supérfluo e a perfeita integração do homem na vida, pois que nada possuindo não podia temer a perda de coisa alguma, desenvolvendo o sentido ético do "respeito à vida". Os continuadores exaltados, porém, transformaram-na em uma reação contra as regras da vida, semeando o desdém ou proclamando uma liberdade excessiva, a degenerar-se em libertinagem.
Toda vez que o direito precede ao dever, esse se desequilibra pela ausência de bases que lhe sustentem os interesses, pois que, somente pode usufruir quem haja retamente exercido o compromisso que a vida lhe impõe.
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Primeiros Passos na Doutrina Espírita - Volume IV
SaggisticaTodos os dias, nas Casas Espíritas, aporta uma quantidade regular de irmãos, interessados no conhecimento do Espiritismo. Curiosos uns, desesperados outros, enfermos aqueloutros, porém, todos eles, de uma forma geral, são carentes e necessitados da...