Capítulo 4

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Acordei no outro dia, exatamente às 8h00, como havia programado. Olhei para o lado, e vi Enzo dormindo. Me levantei rápida, sem fazer muito barulho. Fui direto para o banheiro, escovei os dentes e fiz minhas necessidades.

Saí, e já fui em direção ao guarda roupa. Peguei uma pólo azul bebê, uma calça jeans em um tom escuro e um pouco desfiada, e coloquei meu tênis. Amarro meu cabelo fazendo um rabo de cavalo, passo perfume, pego meu celular na mesinha, e vou para a cozinha.

Como não tinha visto mamãe em sua cama, imaginei que estaria na cozinha fazendo alguma coisa. Quando sinto um cheiro de café se alastrando pela casa.

- Hmm, que cheirinho bom. - falei se aproximando dela, e se sentando na mesa.

- Aproveita, porque não sei qual será a próxima vez que iremos ter café, ou outra coisa de comer nessa casa. - falou seria, e também se sentou a mesa. - Acordou essa hora por quê? - falou me servindo, e ficou me analisando.

- Procurar um emprego. - falei enquanto comia uma bolacha.

- Que história é essa, Thayane? Ta doida? Nada disso! - me olhou brava, e cruzou os braços.

- Mãe não começa, estamos precisando, você não pode mais trabalhar assim, e como vamos comprar seus remédios? Eu vou e pronto! - falei ainda comendo.

- Thayane! - me olhou mais brava ainda.

- Nem adianta, você sabe que quando eu coloco alguma coisa na cabeça, eu vou até o fim. - falei me levantando da mesa. - Vou na Mirella, já volto. - falei dando as costas, e saindo de casa.

Já estava decidida, iria procurar emprego. Mesmo que eu não conseguisse nada, mas pelo menos eu ia tentar.

Mirella morava três ruas antes da minha. O que significa, que tenho que descer um pouco do Morro, e passar perto do bendito beco aonde fica uns traficantes vendendo droga.

Odiava passar por ali, mas não tinha jeito, ali era o único caminho. Evitava encarar eles, só dava uma olhadinha rápida, e logo desviava o olhar.

Como eram 8h e pouco, sabia que Juninho estaria por ali, junto de Kauê, irmão de Mirella.

Kauê, é um amor de pessoa, sempre me tratou bem. Mirella as vezes fala que ele e louco por mim, mas acho que isso e só coisa de irmã tentando ser cupido. A única coisa que estraga ele é essa "profissão". Assim como Juninho, Kauê também se rendeu ao tráfico. Mas ainda bem que isso não mudou sua personalidade e seu caráter. Apesar das coisas que faz, ele continua sendo a mesma pessoa que conheci a anos atrás.
Ele percebeu que eu estava descendo a rua, e me gritou.

- Eai Thay. - falou se aproximando, e dando um beijo em minha bochecha.

- Oi Kauê. - dei um beijo de volta em sua bochecha, e desviei o olhar.

- Qual foi? - falou me olhando sério.

- Nada ué. - dei um riso fraco, tentando disfarçar. - Vou lá na sua casa, a gente se vê depois. - falei dando as costas.

- Espera aí, vou contigo. - falou me acompanhando, e deu um sorriso de lado.

Ele fez um sinal para os traficantes, e foi descendo comigo. Fomos conversando coisas aleatórias, até que chegamos na casa de Mirella. Ela estava na sala, sentada no sofá.

- Olha quem chegou. - falou abrindo a porta, e indo para a cozinha.

- Oi amiga, já estava indo buscar o Enzo. - falou dando um sorriso de lado.

- Sem problemas. - falei soltando o ar, e se joguei no sofá.

- Thay, o que aconteceu? - falou séria, me olhando.

- To sem chão. - falei fechando os olhos, e senti uma lágrima rolar.

- Fala logo Thayane, que porra. - falou nervosa.

- Minha mãe, caralho. - falei secando as lágrimas. - Perdeu o emprego, ta doente, eu não sei o que fazer.

- Calma Thay, eu te ajudo. - falou se aproximando de mim, e passando as mãos em meus cabelos.

- Não Mirella, eu não vim aqui pra pedir dinheiro. Eu vim aqui pedir pra você ficar de olho na minha mãe, porque eu já resolvi, eu vou largar a escola e vou trabalhar, e a única maneira. - falei me levantando.

- Para com isso Thay, eu vou te ajudar sim. Você não vai conseguir emprego com essa idade, tu sabe mais que eu. - falou se aproximando de mim novamente.

- Não é justo pegar dinheiro com você toda vez que as coisas apertam. Eu agradeço muito, mas não é justo. Eu vou tentar achar alguma maneira de conseguir dinheiro. - falei secando as lágrimas que caiam.

- Olha, só não entra pro tráfico, por favor. - falou debochando.

- Ai, idiota. - revirei os olhos e dei um sorriso de lado. - Vai lá em casa depois, por favor. - sai andando, e abri o portão.

- Jaé, boa sorte amiga. - acenou de dentro de casa, e eu acenei de volta.

Mirella narrando:

Thayane e muito teimosa e orgulhosa, ela sabe que não vai conseguir arrumar serviço. E se arrumar, só vão aproveitar da idade dela para explorar e roubar seus direitos.
Eu sempre ajudei elas, não ia ser agora que não iria ajudar.

Apesar de não ser uma "profissão" que eu me orgulho, Kauê e Juninho ganham muito bem no tráfico. Dá para pagar todas as despesas da casa, e ainda sobra.

- Cadê a Thay? - falou saindo da cozinha, e se aproximando de mim com um copo de café na mão.

- Foi procurar emprego. - falei indo até a mesinha de centro e pegando minhas chaves.

- Ixi, qual é das idéia? - falou me olhando sério.

- Que "idéias" Kauê? - falei revirando os olhos.

- Pra quê ela quer emprego? Ela tá precisando de alguma coisa? Já fala ai que eu fortaleço. - falou colocando a mão no bolso, e tirando várias notas.

- Não adianta, ela não querer seu dinheiro, já falei pra ela que eu ajudo mas ela não quis. - falei cruzando os braços.

- Mas fala porra! O que tá acontecendo, Mirella? - falou nervoso.

- A mãe dela caralho, ta doente e não pode trabalhar. Ai ela teve essa idéia de ir procurar serviço, mas não sei se vai dar certo. - falei desviando o olhar e coçando queixo.

- E se ela não achar que qui tu acha que ela vai fazer? - falou cruzando os braços e me encarando.

- Isso que eu tenho medo, ela não vai aceitar nosso dinheiro, ela vai querer ir atrás do dela, mas aonde? - falei olhando sério para ele.

- Aqui na favela e duas, ou é o tráfico ou e dar pra traficante. - riu debochando. - Que eu duvido muito que a Thay vai fazer isso.

- Só Deus sabe. - falei desviando o olhar novamente. - A conversa ta boa, mas tenho que ir buscar meu pivete. - dei as costas, e sai andando.

- Pode pá, vou te acompanhando até o beco. - colocou o copo na mesinha, fechou a porta e saímos.

Sonhos PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora