Tata Mulambo

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          Ela era de família nobre. Na época que o Brasil ainda era império. Havia se casado muito jovem e passou a vida ao lado do marido. Um homem bom. Quando ele morreu, ela ficou só, viúva. Nunca havia tido filhos. Já era velha, já era grisalha era fria e amarga.Suas mãos manchadas, sua pele enrugada e as marcas em seu rosto revelavam que já estava na terceira idade. Já estava passada. Velha, a beleza não deixara resquícios. Quando o marido morreu ela, a rica fidalga passou a sair mais de sua mansão, ia aos campos ver os pobres, ia ver os camponeses a trabalhar. Todos ali trabalhavam para ela agora. Centenas de homens e mulheres a trabalhar na lavoura, nos cafezais. Foi então que ela conheceu um rapaz,um belo jovem que a tratava com muita ternura. Descendente Italiano era de pele morena e de olhos verdes, o corpo musculoso a encantava. Ele tinha idade para ser seu neto mas mesmo assim ela se apaixonou. Ela o queria. Mas ela sabia que um velha não teria a menor chance.  O rapaz era incorruptível não se vislumbrava com ouro, nenhuma riqueza lhe comprava. 

    Ela então lembrou de quem de fato era e do motivo de ter vindo ao Brasil. Ela era uma bruxa e viera pra cá fugindo dos resquícios de inquisição que ainda existia em Portugal. Mesmo que no Brasil algumas mulheres também haviam conhecido os horrores da morte na fogueira, ela estaria mais segura aqui do que próxima aos malditos cônegos.

    Ela então fez uma coisa que poucas vezes fez em sua vida. Ela acendeu uma vela negra.No porão de sua mansão havia uma pilastra toda encoberta com cera derretida. Muitas velas derreteram ali mas todas eram brancas. Cada vela era um feitiço. Desta vez uma vela negra foi acesa e isto era feito para invocar o espírito do mal. E recitando os versos malditos e falando as palavras de maldição o espírito maligno pareceu diante dela. Ele questionou o que ela queria e ela pediu a ele juventude.  Ele disse que lhe daria sim mas em troca ele cobraria ouro. Ele lhe disse que iria cobrar todo o ouro que fosse dela. Ela ofertou a ele absolutamente todo o ouro que tinha. Baús e mais baús de barras, suas jóias, candelabros, maçanetas e tudo na mansão que fosse de ouro ela deu. O espírito maligno em um estalar de dedos deu a ela a aparência de uma moça de pouca idade mas deixou os cabelos grisalhos para se lembrar de quem era realmente. 

    Ela agora moça formosa seduziu o rapaz que com ela teve uma paixão ardente. Mas dentro de pouco tempo ele sumiu, dela fugiu. Ela louca por ele não se conformava em perdê-lo e voltou a fazer feitiçaria para novamente vê-lo. Mas as velas brancas não surtiam mais efeito. Magia natural só funciona com quem é limpo. E ela era mancomunada com um Diabo. Ela então novamente acendeu uma vela negra e o demônio lhe apareceu. Ela pediu a ele que fizesse o homem se apaixonar por ela. O espírito maligno cobrou mais ouro porém desta vez ela não tinha. Como estava muito apressada vendeu todas as terras, todos os cafezais por um preço muito abaixo do que valia. Ao receber os baús de ouro novamente ela chamou o Diabo Ferrabraz. Ele então fez o homem vir até ela. Mas o espírito avisou que iria durar apenas 7 anos.

    Assim foi, o jovem veio para morar com ela na mansão. Durante 7 anos ele a amou. No oitavo ano ele novamente fugiu. Ele não gostava dela. Não gostava nem um pouco. Só o que lhe prendia era a magia. Ela mais uma vez invocou o espírito maligno e a ele pediu mais sete anos com o rapaz. O espírito pediu ouro e ela não tinha. Ela então vendeu a mansão que era o único bem que restava. O ouro era pouco, era menos de meio baú. O demônio então disse que não era o suficiente para fazer uma amarração. Mas que por aquela quantia ele poderia dizer onde o rapaz estava. 

    Ela aceitou e foi até o endereço. Uma casa simples de barro e palha. Quando la chegou viu o rapaz. Ela viu o rapaz a esposa e o filho. O filho já tinha mais de dez anos. Ele era pai e marido. Todo esse tempo ela não sabia que ele amava outra. E a esposa do jovem era mais bela que ela. O ódio tomou conta de seu coração e ela rompeu para dentro do casebre, assim que o rapaz a viu ele a expulsou de lá. Ele tinha horror a ela. Mas ela não saiu. Se achava do direito de ser dona dele. Com o coração negro tão negro quanto uma vela e tão ardente quanto uma chama ela invocou o demônio dentro daquele lar. Ela pediu que o espírito trasse a vida dos três, marido, esposa e filho. O demônio para isto não cobrou nada pois a sua boa paga foi o ódio que ali viu. Somente de olhar nos olhos de cada um o espírito fez as almas saírem do corpo. Os três agora eram mortos. 

    E ela? Ela um dia foi fidalga que vivia em uma mansão, mas agora não era nada, só tinha a roupa do corpo e mais nada. Ela ficou na sarjeta, se viciou em bebida, se amargou até chegar no fundo do poço. E muitas vezes se deitou com outros homens por dinheiro. Ela um dia foi uma nobre mas agora ela era um Mulambo. Ela morreu sozinha em um barraco de lona, que era tudo que tinha. 

    Quando chegou ao inferno ela ainda parecia jovem. Mas Maria Mulambo pode ver através do sortilégio. Maria a chamou para fazer parte de sua falange pra andar com ela e com Farrapo. Mas quando foi nomeá-la não deixou usar um nome qualquer. Mulambo a chamou de velha, mas velha não bastava. Chamou ela então de Tata, que é como os netos chamam as Tataravós. Fez isso para que todos soubessem que aquela mulher era velha. Mais velha que a própria Maria Mulambo. Agora ela é conhecida como Tata Mulambo. Ela já não precisa invocar espíritos para fazer magia pois ela mesma é um espírito agora.

"Tata Mulambo, ela mereceu ganhar... Ganhar o que ganhou"

Candomblé e UmbandaOnde histórias criam vida. Descubra agora