Muchas gracias!

14 2 0
                                    

Passei uns dias a trabalho em Montevidéu, no Uruguai. Foi a minha primeira viagem internacional – isso, claro, se o Tocantins não contar – e confesso que fiquei um pouco ansioso. Que roupa levar? Preciso trocar Real por Dólar? Por Pesos? Levo dicionário? Preciso de passaporte, já que vou ficar pelo Mercosul? Ou seja, me senti um completo "mané".

Aos poucos fui descobrindo tudo o que seria necessário, entre perguntas óbvias a amigos ou pesquisas ao pai de todos: o Google. Por exemplo, fiquei sabendo que o documento necessário seria o passaporte ou a identidade, emitida há menos de 10 anos (e não podia ser carteira de motorista). Por sorte, havia tirado passaporte recentemente, visando outra jornada que por hora foi adiada. Tirei até foto do carimbo no passaporte. Sou ou não sou um "mané"?

Quanto ao dinheiro, fui a uma casa de câmbio e troquei por Dólares – já que é moeda corrente, tanto quanto o Peso, por lá. Foi a primeira vez, também, que me encontrei com o Sr. Benjamin Franklin pessoalmente. Situação solene. Infelizmente, voltei para casa apenas com um Alexander Hamilton. Coisas dessa sociedade de consumo desenfreada.

A viagem foi tranquila, sem sobressaltos, e a expectativa era o que aconteceria na chegada a Montevidéu. Passar pela imigração, preencher formulários cujas perguntas estavam em espanhol, interagir com os locais, essas coisas. O formulário, na verdade, foi preenchido ainda no avião e não causou muitos problemas. Quando chegava a uma pergunta que me parecia estranha eu espiava no formulário do passageiro ao lado, que demonstrava certa intimidade com o riscado. Pois é, eu colava na cara dura. Coisa que não fazia desde a 5ª série – pelo menos é o que minha mãe acha. O que importa é que, ao que tudo indica, passei na prova, pois não me barraram na entrada.

Depois do teste do formulário, faltavam duas coisas para que a ansiedade se dissipasse por completo: a imigração e praticar meu portunhol. E aí é que morava o perigo. Eu só sabia uma palavra na dita língua: "gracias". Foi a única que tive tempo de decorar. Desci do avião e uma funcionária da Tam ficava indicando o caminho para a imigração. Ela era uruguaia, e não brasileira, creio, pois falava num castelhano bem rapidinho, igual àquele ratinho do desenho animado, o Ligeirinho: "ándale, ándale, ándale". Eu olhei pra ela e só entendi para onde deveria ir porque ela apontava incisivamente a direção e também porque havia um cercadinho me impedindo de fugir do caminho.

Na fila da imigração, as pessoas falavam uma mistura de português com espanhol e eu fui ficando ansioso, pois não sabia o que, nem como, a moça do guichê perguntaria para mim. Ou como eu responderia, se entenderia... A única certeza que eu tinha é que, se desse tudo certo, eu falaria "gracias" ao final. Seria o meu primeiro "gracias". Emocionante.

Portanto, semana agitada com a primeira viagem internacional, o encontro com Benjamin Franklin e o primeiro "gracias". O pior é que, quando me dei conta disso, ali, na fila, comecei a pensar apenas no troço. Fiquei treinando, baixinho, enquanto a fila andava. Ora normal, "gracias"; ora pausadamente, "graaa-cias"; tentei até umas versões mais complexas, "muchas gracias". E a fila diminuindo.

Era chegada a hora. Fui chamado ao guichê número 03. Cheguei meio de cabeça baixa e apenas estiquei o passaporte, juntamente com o formulário preenchido no avião. Ela nem me olhou direito, nem fez pergunta nem nada. Conferiu o formulário e o colocou de lado. Conferiu o passaporte, nem olhou para a minha cara, e carimbou-o. Acho que deixei escapar um sorrisinho meio besta nesse momento. Então, ela virou-se para mim, entregou-me o passaporte e percebi que ela falaria alguma coisa. Posicionei-me da maneira mais ereta possível, estufei o peito, mantive a cabeça erguida e era só ela dar a liberação derradeira que eu iria emendar de boca cheia: "gracias!"

A moça me olhou fixamente e disse: "Tchau".

"Tchau"? Porra, "tchau"?! Passo horas de angústia, tentando decorar a dita palavra em espanhol, "gracias", sufocado com a possibilidade de não entender o que o ligeirinho, ándale, ándale, falaria e a lazarenta me dá "tchau". Restou-me apenas retribuir: "tchau". Vou te contar, coisa mais frustrante.

O Fantástico Mundo das QuinquilhariasOnde histórias criam vida. Descubra agora