Morando sozinho

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Morar sozinho, ah, que benção! Você é dono do seu próprio nariz, assiste ao que quer na TV, prepara a sua comida na hora que bem entende, vai ao banheiro e larga a porta aberta. Só alegria. Uma maravilha... Até chegar à página três. O problema de morar sozinho é quando você começa a descobrir todos os perrengues que outras pessoas que moram sozinhas já passaram e não te preveniram. E eu sei que elas fazem isso de propósito - "Se eu me ferrei pra descobrir, ele vai se ferrar também". Cruel, mas é bem assim mesmo porque, agora que aprendi, eu também não vou dar a dica pra ninguém, cada um por si.


Por exemplo, dia desses precisei comprar um rodo. Pois é, eu também nunca imaginei que um dia fosse precisar de um rodo, mas assim é a vida. Daí fui ao mercado e estou lá escolhendo entre rodos verdes, amarelos, vermelhos, de borracha, EVA (é assim que chama?) até que acho o dito do rodo perfeito - o mais barato - e então vem a dúvida: preciso comprar o cabo do rodo? Sim, pois, pasmem, rodo não vem com o cabo. Pelo menos era o que eu achava, já que todos os rodos estavam sem cabo. Procuro um cabo barato para o meu rodo barato até que percebo que um japonês, escorado em seu carrinho de compras, me observa intrigado.


- Não estou achando o preço dos cabos. - Falo meio sem graça.

- É porque o cabo faz parte do pacote do rodo, já está incluso no preço. - Responde o japonês com um sorriso irônico.

- Ah! - resmungo, já saindo de fininho.


Bom, passado o imbróglio do rodo, aproveitei que estava no mercado e comprei outras coisinhas de extrema necessidade que, talvez, sejam tão fundamentais à vida quanto o ar e a água. Entre elas estão: ralinho de pia, tapete de banheiro, sabão em pó, botijão de gás, panelas e por aí vai...


Resolvidas as questões instrumentais e de aparelhos de sobrevivência e convivência, passamos à segunda etapa do processo "monte a sua casa à sua imagem e semelhança", que é quando pensamos na decoração. A ideia genial foi colocar todos os violões da casa - tem uns, deixa eu contar... cinco - pendurados na parede da sala. Ok, maravilha, vai ficar show de bola. Pega a furadeira, pluga-a na tomada, faz-se a medida, marca-se o local exato com um lápis e mãos à obra. Vrrrrrrrrrr... e nada da meleca da broca entrar na parede do apartamento. Deve ser um tijolo mais encrenqueiro, pensei. Medi um palmo abaixo e vrrrrrrrrrrrr... nada. Penso em comprar um pouco de espinafre para ver se resolve, mas chego à derradeira conclusão que acertei uma amaldiçoada duma viga. Definitivamente, engenheiros não sabem onde colocar vigas.


Coloco os suportes dos outros violões sem dificuldades, mas aquele primeiro, que ficaria em cima da viga, é deixado de lado. Porém, temos um problema. Um não, dois problemas, duas crateras na parede. Pensa daqui, pensa dali, e nada que um salvador pôster do Homer Simpson, pregado com durex, não resolva. Quando começo a colocar o pôster do Homer me pergunto, já sabendo a resposta: sabe quando uma mulher permitiria tal remendo?


Passadas algumas semanas, parecia que tudo estava resolvido. Violões na parede, pôster do Homer de vigília, ralinho da pia cercando restos e afins, tudo no lugar. Foi quando descobri a coisa que mais se prolifera no mundo. Coelhos? Gremlins? Cupins? Flamenguistas? Não. É muito pior. É algo invencível chamado: louça. Você se livra delas, passa um tempão ali, lavando, enxugando, guardando e, horas depois, todas elas estão espalhadas sobre a pia novamente. Liguei para uma dedetizadora, mas eles disseram que tal bicho vai muito além da capacidade deles. Todo dia quando chego em casa, elas estão lá, sujinhas, me olhando, me desafiando.


O pior não é isso, cansado das famigeradas louças, tentei uma estratégia diferente: ignorá-las. O problema é que eu não podia fazer isso com todas, pois temia uma rebelião. Então, fiz um teste. Um belo dia, utilizei uma churrasqueira elétrica que "não solta fumaça" (que falácia) e, depois de alimentar-me com os proventos proporcionados por ela, achei por bem deixá-la quietinha em seu canto. Nada de água, nada de esponja, nada de detergente. E ela ficou lá, bonitinha, por algumas semanas e eu nem lembrava mais dela. Certa manhã, fui à cozinha e me deu aquele clique, "como estará a churrasqueira?", e fui olhar. Afinal, se tudo tivesse dado certo, minha desatenção a ela poderia ser o passaporte para me libertar das terríveis e sanguinolentas louças.



E sabe o que aconteceu? Cogumelos. Sim, diversos cogumelinhos verdes. Havia famílias e mais famílias de cogumelos morando na churrasqueira. Resumindo, agora, além das louças-gremlins, temos cogumelos. Logo-logo isso aqui vai virar uma república.

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