A guerra dos bichos

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Essa não é uma crônica, mas, sim, um pedido de ajuda, pois não sei mais o que fazer. Está acontecendo uma guerra aqui em casa e já fiz de tudo para tentar resolver – das técnicas científicas às empíricas. Tudo em vão. Portanto, se você sabe de alguma tática ninja que possa me ajudar, por favor, socorro!


É o seguinte, eu tenho um cachorro e ele mora lá fora numa rústica casinha, mas muito confortável – tem cobertor e tudo. Todos os dias (no mínimo duas vezes, é bom que se diga) eu coloco comida e água para ele, e nunca tivemos problemas em relação a isso. Só que, de uns tempos para cá, os mantimentos dele têm sido atacados. E atacados covardemente.


Mas já descobri os culpados: os facínoras sabiás. Malditos sabiás! É colocar comida e água nos potes que eles atacam. No início, o faziam aleatoriamente, em investidas isoladas e individuais, mas agora não. São hordas de sabiás. Eles vêm e se tacam no pote de água como se fosse uma piscina regan. Mergulham, emergem e cospem água para cima como se o bico fosse um chafariz, brincam de se molhar uns aos outros e tudo muito bem organizado, porque nenhum deles fura a fila. Depois, enquanto outro sabiá toma a vez no pote d'água, o que ali estava pula para a vasilha de ração e se entope de Pedigree Champ (mentira, ou você acha que eu ganhei na Mega-Sena?). E o pior: meu cachorro não levanta sequer uma orelha para afastar os alados.


A encrenca é que tudo em volta fica repleto de meleca de passarinho. Uma sujeirada danada. Até tentei adotar a tática do susto para espantá-los. Eu enchia o pote, fingia, assoviando – para fingir bem, tem de sair assoviando – que ia embora, me escondia atrás da porta e ficava na espreita. Quando os sabiás apareciam, "uhaaaa!", eu pulava para fora e dava um berro. Funcionou uma manhã e logo eles perceberam como eu era idiota.


Depois, tentei colocar ao lado dos potes um espantalho em forma de gato. Até deu certo, mas meu cachorro também não chegava perto do pote. Ele é meio covarde. Bom, para falar a verdade, até eu parei de ir lá fora à noite. O troço realmente dava medo. Então, desisti do gato-espantalho e tentei treinar o dog para comer numa engenhoca que, além de resolver a pendenga, me daria rios de dinheiro. Bolei um pote que funcionaria como aqueles lixinhos cuja tampa abre quando você pisa numa alavanca. Sensacional, diz aí. Contudo, além de medroso, meu cachorro não é muito esperto e não consegui treiná-lo para tal. Já os sabiás pegaram as manhas e pareciam uma trupe do Cirque Du Soleil. Um pulava sobre a tampa, outro na alavanca, que abria a tampa subitamente e jogava aquele que estava sobre ela bem alto sobre o pote de comida, enquanto um terceiro mergulhava dando um triplo mortal, partindo em pontapé à lua, e finalizando com parafuso, ufa, água adentro. Era bonito de se ver. Havia um quarto sabiá que ficava em volta fazendo malabares com a ração em chamas. Cheguei a vê-lo equilibrar sete bolinhas ao mesmo tempo – e tudo isso, obviamente, sem utilizar as mãos. Até ganhei dinheiro da vizinhança cobrando pelo show, mas percebi que não adiantava nada ficar de bolso cheio enquanto meu cachorro se esvaía em fome.


Pensei em partir para atitudes mais drásticas e usar uma espingardinha de chumbo enferrujada que tem aqui em casa, mas não conseguiria. Sou um protetor dos animais e jamais teria coragem de abater um sabiá, quanto mais uma equipe inteira de sabiás circenses. E sou assim com todas as espécies. Não gosto de ver passarinho em gaiola, peixe em aquário e não tosto formiguinhas com lupa. Quer dizer, não mais... ah, gente, eu tinha seis anos, dá um desconto.


Enfim, trabalhei muito em alternativas e cheguei a encontrar uma solução que me parecia definitiva. A ideia era simples: não dar comida para o meu cachorro até que ele estivesse verde de fome. Só então eu encheria o pote e ele atacaria a comida com tanto afinco que não teria vez para os sabiás. Deu certo, mas eu não podia contar com a astúcia alada. Os desgraçados dos sabiás começaram a montar táticas de guerra – tipo Sun Tzu. Veja como são as coisas, nunca li o tal do livro do chinês – e provavelmente jamais lerei –, mas o povo é tão vidrado e fala tanto na milenar filosofia, transformada em autoajuda pelas editoras modernas, que sei do que se trata mesmo nunca tendo aberto ele. Voltando, os sabiás fizeram cercos, verdadeiras estratégias de batalha. Primeiro, investiram com a clássica formação romana La Testuggine; depois, se posicionaram em arco; algumas vezes investiram pelos flancos; e noutras iam direto à fonte e me rendiam antes mesmo de eu colocar a comida no pote do cachorro. Foi um sofrimento.



Então, estamos nessa: o cachorro que é só um fiapo, pois não conseguimos alimentá-lo; os passarinhos já formam uma verdadeira legião (a última contagem estava em torno de 19 aves que atacam diariamente e mais 12 sazonais) e eu tive de ir ao analista para resolver meu medo noturno de gatos-espantalho.

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