Uma história tétrica

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Esta crônica terá um estilo um tanto quanto diferente. Será um texto, digamos, mais tétrico. Ei, pode parar de rir. Tétrico, sim. Por quê? Sei escrever coisas tétricas, você vai ver. Vou contar uma história muito, mas muito tétrica. Mais que isso: tenebrosa. Uma história de arrepiar as anteninhas do Chapolin, de gelar o Penadinho e de fazer o Tio Chico fugir em desabalada carreira. A terrível e misteriosa história do Velho do Saco (agora é a hora que você imagina o barulhinho do vento: "uuuuuhhh").

Não sei você, mas eu passei boa parte da minha infância me pelando de medo do Velho do Saco. Era assim, os pais (sempre os pais) costumavam alertar as crianças que, se elas fugissem para a rua, principalmente à noite, correriam sérios riscos de serem capturadas pelo Velho do Saco. Obviamente, o pirralho acabava perguntando: "Mas o que o Velho do Saco faz com as criancinhas?" E os pais respondiam que ele as pegava, jogava dentro do saco e a criança nunca mais voltava. Bom, era o que bastava. Ninguém perguntava mais nada sobre o Velho do Saco e muito menos arriscava se pirulitar para a rua.

Antes de continuarmos, acho importante explicar que, se você não entendeu o termo "se pirulitar", muito menos sabe de onde o tirei, é sinal que eu estou mais para Velho do Saco que para criança arteira. Enfim...

Voltando, vivíamos com medo do Velho do Saco. Pior, a coisa não ficava apenas nas ameaças e relatos. Muitas vezes estávamos passeando de carro e cruzávamos com um senhor carregando um carrinho ou um saco de estopa, em algumas ocasiões cercado por cachorros sarnentos, e os nossos pais diziam: "Olha lá, é o Velho do Saco."

Rá! Que atire a primeira pedra aquele que não se borrava todo. Eu me borrava, admito. Afinal, nessa hora, o Velho do Saco se tornava visível, real.

Lembro de uma vez, na casa da minha avó, que vimos o Velho do Saco. Estávamos eu, minha irmã e meus primos na porta da sala (era uma porta de vidro, translúcida) que dava direto para a rua. Sem muro, portão, nem nada... direto para a rua. Ela estava aberta e nós brincávamos na calçada. Era noite (está ficando com medo, né? Vamos, admita), mas como a cidade era (ainda é) pequena nossos pais relaxavam um pouco. De repente, ele apareceu. O Velho do Saco.

Quem o viu primeiro foi meu primo, que falou baixinho "olha lá, na outra quadra". Viramos na direção em que ele apontava e o vimos. Era alto, muito alto. Uns dois metros eu acho. Senão mais. Uns três. Sim, uns três metros. Três está bom. Vestia roupas rasgadas e uma luz lúgubre o encobria (sempre quis usar a palavra lúgubre, mas nunca havia achado utilidade para ela) e vinha em nossa direção. Prometi que jamais revelaria isso, mas, na hora, minha irmã deu um grito histérico. Pois é, fiquei com vergonha, mas fazer o quê.

Pulamos porta adentro, mas não a fechamos. Ficamos espiando o Velho do Saco pela beirada, achando que ele não nos via. Contudo, ele continuou a vir em nossa direção. Não sabíamos se chamávamos os nossos pais, se fechávamos a porta e corríamos para debaixo da cama, se ligávamos para a polícia ou se o esperávamos escondidos atrás da porta e, quando ele passasse, dávamos uma vassourada na cabeça dele e, assim, salvávamos as crianças que porventura estivessem dentro do saco. Bom, no tempo desse debate, o Velho do Saco já estava à meia quadra da casa da minha avó. Foi aí que minha irmã gritou novamente (bota grito nisso, daqueles ardidos) e, mais do que ficar com vergonha, me caguei todo.

Fechamos a porta com tanta força que quase a quebramos. Ficamos ali, só esperando, com a luz da sala apagada e olhando, através do vidro da porta, as imagens que se formavam lá fora. Contávamos os segundos. Respirações ofegantes. "Mãaae!", minha prima saiu correndo para dentro de casa. Era questão de tempo, pouquíssimo tempo, e o Velho do Saco passaria em frente à porta e nós seríamos as crianças que mais perto chegaram dele e saíram sãs e salvas. Foi neste momento que me lembrei de um grave erro: fechamos a porta, mas não a trancamos com a chave.

Como um verdadeiro herói, um Indiana Jones infante, um mártir de todas as crianças do país... mais, de todo o mundo (a história é minha, aceite), parti rumo à fechadura. Lá estava a chave, era só girar. Foram segundos que mais pareceram uma eternidade (eu sei, eu sei, frase clichê, mas não achei nada mais eficiente) e quando toquei na chave, ele parou em frente à porta. O Velho do Saco ficou frente a frente comigo. Apenas uma fina lâmina de vidro nos separava.

Se isso aqui fosse um filme, agora entraria o intervalo comercial, só para nos deixar angustiados.

Girei a chave e me joguei para trás, numa cambalhota... Cambalhota não, num mortal (mais dramático) e me protegi dos possíveis tiros atrás do sofá; mas o Velho devia estar sem balas. O Velho do Saco se aproximou, olhou através do vidro da porta, testou a maçaneta e foi-se embora. Para sempre.

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