Sobre dia do índio e semiótica

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Pare um segundo e me diga o que vem à sua mente quando você pensa em índios. E não me venha dizer que é nos tupinambás ou no clássico indianista "Iracema", de José de Alencar (não, não é o falecido ex-vice-presidente), ou em "O Guarani" (o Hino à Voz do Brasil), de Carlos Gomes. Brasileiro só se lembra de índio ancestral quando chega o carnaval ou quando lê gibi do Papa-Capim.


Portanto, como eu disse, duvido que você pense nos indiozinhos locais - que são os reais homenageados deste dia. Duvido que se lembre dos bororós, tupiniquins, guaranis, javaés, caigangues, carajás, caiapós, pataxós, ianomâmis, todos peladões, pintados para festas, guerras, comilanças, surubas (sim, aposto que havia surubas homéricas, ou gonçalvéricas, para manter o superlativo num poeta local), matanças, caças, pescas e tudo o mais que se podia fazer sentado, deitado, de cócoras, andando, correndo, com os balangandãs de fora por matas virgens que outrora havia por essas paragens.


Aposto que se você, leitor, pensou nos locais, é porque deve ser dos machos da espécie (desprovidos de certa organização mental - defeito de fábrica) e só o fez por conta da mente depravada que assola os homens nesses momentos em que se pensa nas indiazinhas saltitantes nos rios, jogando água umas nas outras, e requebrando os quadris, pra-lá, pra-cá, pra-lá, pra-cá... só assim mesmo para privilegiar a nossa cultura: sendo a índia brasileira o foco. "Cultura?! Sei, seu Beto!"


Bom, onde estávamos? Ah, sim, na cultura das indiazinhas peladinhas e... é, hum, erd... desculpem, me distraí por um momento. O fato é que tanto não é cultura, patavina nenhuma, em que se pensa na primeira menção à palavra índio que não lembramos também da rapaziada que construiu cidades, templos, pirâmides, aquedutos, que desenvolveu a astronomia, a matemática, etc. Estou falando dos nossos vizinhos incas, maias e astecas. Eles sim eram porretas nessa parada de cultura. Eram tão avançados, mas tão avançados, que sacaram logo ao que o mundo estava fadado e picaram a mula, se mandaram antes que desse merda.


Os maias, inclusive, de tão sabidos, até decretaram a data exata do fim do mundo: 21 de dezembro de 2012. Muito sabidos. O que importa é que, apesar de toda a profecia e sapiência, eles não foram capazes de nos cativar e, destarte, não ficaram registrados na nossa memória. Agora, isso não quer dizer que não haja nenhum índio com o qual nos identificamos neste importante dia. Se eu pedir "exemplifique índio" (lembra que esta era a perguntinha lá do início?) eu já sei no que você vai pensar: nos apaches. Rá, certeza! Os apaches é que são os caras. Os "nossos" índios. Ou vai me dizer que você cresceu brincando de Montezuma ou assistindo a faroeste brasileiro? Evidente que não, porque esse troço nem existe. E se existe, me avisem que eu quero ver.


Eu tinha até o Forte-Apache, um brinquedo que era um forte do exército americano, com cavalinhos, soldadinhos e índios de plástico. Os soldadinhos eram azuis e os índios vermelhos. Ah se minhas aulas de semiótica tivessem sido na juventude! Os mocinhos eram sempre os soldados, azuizinhos, e os bandidos os cruéis e vermelhos apaches. Já ouviu aquela frase "conquistar corações e mentes"? Muitas vezes nós aceitamos (conforme a música) os personagens à nossa volta sem nem pensar a respeito, não é mesmo? Ou melhor, demoramos a perceber isso para, só então, podermos passar a montar os nossos próprios roteiros - e há aqueles que mesmo depois de velhinhos ainda não o conseguem.


Certa vez ouvi uma excelente de um famoso técnico de futebol: "A gente tá parecendo time de índio, daqueles de filmes americanos... só atacamos".


O pior é que é verdade. Os apaches, segundo os filmes, eram tão maus, mas tão maus e selvagens, que você só via imagem deles em desabalada carreira, gritando uh-uh-uh!, e tacando flecha a torto e a direito em pobres e desamparadas diligências de homens brancos, que só queriam um lugar ao sol. O curioso é que foram eles, os "peles-vermelhas", que desapareceram da face da Terra, e não os branquelos. Curioso, né? Vai ver foi castigo divino por tamanha maldade ou, como já disse, eles viram onde tudo ia acabar e se pirulitaram.


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