A sedução do riso

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Vi certa vez a entrevista de um americano chamado Michael Kepp, que mora (ou morava, nem sei mais) no Brasil e é cronista – escrevia para a Folha de S. Paulo, se não me engano –, e depois li umas três crônicas dele. Um texto correto, ponto. Enfim... Não é disso que eu quero falar. Não estou aqui para analisar o cara. O que eu quero comentar é que, durante a entrevista, ele citou um texto dele que fala da sedução do riso. É disso que quero falar.


Segundo o Sr. Kepp, ele, ou algum amigo dele (percebe-se que prestei muita atenção na entrevista), conquistou a esposa na seguinte circunstância: estava em uma festa onde a maioria, tipo, uns 95% dos caras (números do IBGE), era mais bonito do que ele. Na mesma festa estava a tal mulher que, segundo relato dele, era muito bonita e articulada. O cara ficou lá admirando a mulher e assistindo a homens e mais homens dando em cima dela... e todos tombavam. Ninguém conseguiu. Ela abatia um a um, tal e qual se faz, de toalha em punhos, com pernilongos (ou muriçocas, dependendo de qual seja o seu dialeto) abatidos em combate aéreo em noites quentes. Então, depois que todos os bonitões, os meio bonitões, os pouco bonitões, os bonitinhos, os fofos, os meias-bocas e os corajosos, mas feios, já tinham ido, ele arriscou, e se deu bem.


Anos depois, já casados, ele perguntou a ela: "Por que você ficou comigo naquela noite?" E ela disse: "Porque eu sabia que os bonitões ficariam feios um dia. Já você, me fez rir muito. Daí eu coloquei isso na balança e pesei se valia mais a pena um bonitão por determinado período, mas chato para sempre, ou alguém que, mesmo não sendo tão bonito, me faria rir eternamente".


Ei, mulherada, podem parar com o "ai, que bonitinho!" Nada disso, esta crônica não é lugar para sentimentalismo. Só contei isso porque tal relato me assustou.


Explico. Eu não sou bonitão, nem meio bonitão, nem um pouco bonitão, nem bonitinho, nem fofo, nem meia-boca e muito menos corajoso. Aliás, pra ser sincero, no quesito conquista amorosa sou bem covarde. Daí você diz: "Mas restou o riso!". Esse é o problema.


Concordo que tenho certo senso de humor. Até sei escrever uma historinha engraçada aqui, uma piadinha ali, mas só. Não sou engraçado em público. E o lance todo, aquilo que determina a vitória final, a tomada da Bastilha sentimental, o xeque-mate do amor (se alguém fizer disso uma música sertaneja eu mato, viu?!), é a ação em público. Bom, eu não faço stand-up, não sei contar piada e nunca ficam pessoas à minha volta rindo do que eu falo. E aí, como faz?


Fico me imaginando na dita festa. Vou lá e cutuco o ombro da moça, ela se vira e me olha com aquela cara de curitibana (para quem é de outro território, um dia eu explico) e falo: "E aí, você conhece aquela do papagaio?" Já viu tudo, né? Ou, então, chego com um texto meu impresso (pois nesse quesito eu me saio melhor) e mando na sinceridade: "Aí, lê isso primeiro e depois a gente conversa..." Acho que não.


Ou seja, estou num mato sem cachorro.


Fiquei até matutando alternativas. Calculei que, já que a matéria-prima da coisa é o riso, não seria, necessariamente, obrigatório fazer a pessoa rir, assim, espontaneamente. Pensei: vai que funciona fazer rir na marra. Se isso der certo, o negócio é praticar a milenar arte da cócega. Levo uma pena a tiracolo, sequestro a garota, amarro-a num local previamente preparado e dê-lhe coceguinha na sola do pé. Não?


Ok, rendo-me. O pior é que, agora que escrevi isso, me toquei: eu vou lá, sequestro a moça, amarro-a e depois disso só penso em fazer cócegas nela? Eu mereço mesmo.

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