Coisas de homem

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Vamos às confissões: não sei consertar chuveiro, nem trocar chuveiro, nem escolher chuveiro. Também não entendo nada de motor de carro. Nada mesmo. Só sei qual é a bateria, o resto necas. Sempre que estou de carro e aparece algum problema, saio, levanto o capô e fico olhando para dentro falando "Deve ser a rebimboca da parafuseta ou o manguito rotador", apenas para não me sentir tão inútil. Logo pego o celular e ligo para o guincho. Ou seja, sou um zero à esquerda em quase tudo que se designa, em relação a consertos, "coisas de homem". Meu pai deve sentir um desgosto danado.

Certa vez, meu amigo Roberto pediu ajuda para pintar um barracão onde seria sua festa de casamento. Lá fomos eu e mais dois amigos, Alexandre e Jack, ajudá-lo nessa missão. Fiquei tranquilo, pois pintar não deveria ser nada muito complexo. Resultado: acabei como abastecedor de tinta para a bandeja, vulgo caçambinha, e responsável por encher os copos dos pintores com cerveja (era o nosso pagamento). Fui impedido de fazer o serviço porque a galera disse que eu só respingava tinta no chão, pintava tudo errado, fazia bobagem, estava bêbado e blá, blá, blá. Tudo bem, não fiquei chateado, ic, afinal, abastecer a bandeja com tinta era uma tarefa das mais importantes em todo aquele processo.

Também tenho sérios problemas com qualquer coisa que esteja relacionada a encanamentos e eletricidade. Noutra oportunidade, fui tocar em um bar – pois sou músico, entre outras atividades enriquecedoras – e para não sofrer imprevistos resolvi testar previamente a mesa de som. Trouxe-a até meu escritório, que fica na sala da minha casa, coloquei na tomada e liguei. Rapaziada, parecia Ano-Novo. Pipocou tudo. Foi uma faisqueira daquelas e corri desligar da tomada. "E agora?", pensei. Só havia uma saída. Procurei uma cabine telefônica, daquelas fechadas que só tem em Metrópolis, entrei e como num passe de mágica saí fantasiado de eletricista (conseguem imaginar a cena?). "Basta!", falei para meus, botões e chaves de fenda, era chegada a hora de enfrentar meus medos.

Encarei o monstro, digo, a mesa de som, olhos nos olhos e decidi o primeiro passo: precisava de ferramentas. Juntei chave philips, pinça, fita isolante, tesoura, alicate, luvas esterilizadas e máscara cirúrgica, pois não seria por falta de cuidados que deixaria de dar certo. Desparafusei tudo e tirei a tampa... Vocês não imaginam. Uma penca de placas, fios, soldas, transistores (acho que tinha esse trem também) e mais um monte de badulaques, xurumbambos e cacarecos pularam diante dos meus olhos. Tive um princípio de desespero, mas me controlei porque o paciente dependia de mim.

Olha daqui, analisa dali e descobri que o problema estava apenas no cabo que se liga à tomada. Ele estava rompido. Bastava fazer uma emenda e pronto. O mais certo era soldar, mas achei que estaria abusando da sorte e da minha inabilidade. Parti, portanto, para uma solução mais caseira: descascar as pontas, emendar tudo e entupir de fita isolante. Gambiarra pronta, enfiei tudo para debaixo do pano, ou melhor, para dentro da mesa e tampei de volta. Neste momento, minha amiga Cláudia me chamou no MSN para dar "oi". Contei a ela o que estava se passando e pedi licença, pois iria ligar a mesa de som e achava melhor desligar o computador também, caso alguma coisa saísse errado e um curto tacasse fogo na casa.

"Cláu, se eu não voltar em 10 minutos, já sabe..." Ela me desejou boa sorte e eu desliguei o PC. Tirei-o da tomada e liguei em seguida a mesa. Momento de expectativa. O botão on/off ali, me encarando, e eu suando frio. Vou fazer uma pausa para que imaginemos como devia estar minha amiga neste instante, alheia ao que tinha acontecido. Ela era a única pessoa no mundo que sabia o risco que eu estava correndo. Os segundos passavam e nada de eu voltar. O silêncio no computador, o telefone mudo, a tevê desligada... eu estava incomunicável e com uma bomba relógio nas mãos.

Momentos de tensão. Apertei o botão da mesa e, tchum!, fez-se a luz. Tudo normal e em perfeita ordem. Religuei o computador e tranquilizei a Cláudia, que se encontrava aflita do outro lado da fibra ótica imaginando a casa em chamas. Pois ela estava redondamente enganada. O mundo perdeu um abastecedor de tinta meia-boca, mas ganhou um supereletricista. Para o alto e avante!

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