São Enrique e o Dia do Beijo

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E o Dia do Beijo, hein? Sabia que existe? Descobri isso porque, na inútil data, ao abrir a internet a informação me foi jogada às fuças. E quando descobri tal caso, fiquei me perguntando: por que, diabos, existe um Dia do Beijo? Mais: quem foi que determinou que seria celebrado no dia 13 de abril e por que, raios, todo mundo engoliu e trata de aceitar que nesta data específica comemora-se o "grandioso" Dia do Beijo? Mundo estranho.

Curioso, pesquisei "a fundo" e descobri que o Dia do Beijo teria sido originado na Itália. Segundo a lenda, o italiano Enrique Porchelo sapecava beijo em todas as mulheres de uma determinada vila do país da bota. E quando digo todas, são todas mesmo. Solteira, casada, divorciada, donzela, rodada, vizinha, passante, turista, rica, pobre, amiga, prima, tia, nona, uma festa. Foi que um belo dia, um padre francês – e olha que o beijo de língua é dito à francesa –, pároco da mesma vila, teria ficado indignado com tamanha, digamos, libidinosidade (um viva a Guimarães Rosa) e decidiu acabar com a festa de Don Enrique.

O padre prometeu, num 13 de abril qualquer, pagar um prêmio em moedas de ouro àquela mulher que ainda não tivesse sido beijada pelo macarrônico sedutor. Pois não apareceu nenhuma. Senhoras e senhores, é recorde! E mundial, creio. Chamem o Guinness, avisem o Fantástico, convoquem o Pânico na TV, pois temos um homem que arrebatou 100% das mulheres de uma vila. E arrebatou a tal ponto que nenhuma teve a pachorra de mentir para ganhar as tais moedinhas. Isso é que é beijo com fidelidade (inclusive das casadas). Com esse nem o Jorge Tadeu pode.

Mas, ora, a meu ver não deveria ter sido instituído Dia do Beijo coisa nenhuma e, sim, o Dia de São Enrique, padroeiro das moçoilas que raramente, ou apenas uma, ou nunca tenham sido beijadas. Criar-se-ia uma fonte milagrosa onde bastasse jogar uma moeda de ouro para que o beijo se deflagrasse em menos de 24 horas. Uma benção.

Falando em beijo, lembrei-me de um fato inusitado. Há muito tempo, numa galáxia muito distante – época em eu que ainda frequentava a faculdade de Educação Física –, fui convidado para ser fiscal numa competição. Como eu estava duro, desempregado e sem ter muito o que fazer, aceitei. Resumindo o evento: um shopping da cidade decidiu promover, no Dia dos Namorados, a competição do "beijo mais longo". Juro que é verdade.

Seria assim: o casal ficaria ali, se beijando, em pé, sem descolar os lábios. A dupla que chegasse ao fim levaria uma moto pra casa. Pensei: grana fácil, trabalhinho mole e piadas garantidas para o resto do ano. Fui eu e mais alguns amigos da faculdade, certos de que o trampo não duraria mais do que, sei lá, quatro horinhas. Ledo, e bota ledo nisso, engano.

Chegamos lá e cerca de 20 casais se apresentaram. Colocamos um CD para animar a festa e demos o start na competição. Nosso trabalho era, apenas, ficar de olho e ver quem descolava os beiços. No início, beijo de língua, malhação, gente animada dançando e aplausos efusivos dos espectadores. Mas não tardou virem os problemas. Para começar, só tínhamos um CD, que rodou horas a fio até que um gênio tomasse a decisão de ir buscar outro. Se eu já queria me matar na quarta vez seguida que ouvi a Ivete Sangalo cantando "Carro Velho", que dirá os beijoqueiros.

Depois, vieram as reclamações dos competidores que começaram a ser eliminados. Na sequência, o cansaço de ficar em pé tanto tempo e a preocupação com a chegada da noite. "E se ficarem vários casais depois da hora do shopping fechar?", alguém perguntou à organização. "É pra isso que vocês foram contratados", responderam. E lá foi o Betão passar a noite jogando baralho com os seguranças do local e cuidando de três casais guerreiros (que sobraram depois de 13 horas).

Quando a noite caiu, eu e meus colegas de fiscalização nos demos conta: precisávamos jantar. Mas lembram que eu falei lá trás que eu "estava duro, desempregado..."? Pois então: quem disse que tínhamos dinheiro? Foi um tal de juntar moeda daqui e arrancar centavo do bolso dali até que conseguimos o montante para comprarmos uma única pizza. Maravilha! E os casais ali, só de beijoca. Quando a pizza chegou, outro problema: não compramos o que beber, pois não tínhamos dinheiro mesmo, e precisamos improvisar. Invadimos (faz tempo, o crime já expirou) a praça de alimentação e dê-lhe atacar as máquinas de suco. Brasileiro não desiste nunca!

Na manhã seguinte, sobraram dois casais, olheiras, sono e a expectativa para ver quem ganharia. Já havia se passado 20 horas de prova quando a organização avisou: "A dupla vencedora leva a moto. Agora, caso seja batido o recorde mundial, haverá o prêmio extra de 1 ano de supermercado grátis". Quase chorei.

No fim, o casal vencedor bateu o recorde, levou a moto, o mercado grátis e foi direto para o hospital, para ver se os beiços inchados não corriam o risco de gangrena. Ah, em tempo: foi tamanha a penitência que eles se tornaram devotos ferrenhos de São Enrique. E viva o Dia do Beijo!

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