Família moderna

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Leio por aí histórias de famílias modernas. Debates sobre novos estilos de vida. Reportagens incentivando o diálogo aberto. Tudo papo furado. Família moderna é a minha.


Almoçava na casa de uma tia – eu, ela e minha mãe – e a minha tia pergunta: "quer tomar chá de coca?" Assim, na chincha, sem nem pestanejar. E eu: "pois olha..." Meio cabreiro, afinal, minha mãe estava ao lado e sabe como é mãe com essas coisas, né? Ledo engano. Minha mãe tascou: "Toma aí pra ver se dá algum barato".


Ah, que saudade de ficar de castigo sentado à mesa da cozinha, depois de aprontar alguma arte, sem poder dar um pio e ainda encarando a fruteira – que não era de muita conversa. É, minha gente, não se fazem mais mães como antigamente.


Então eu disse: "Ok, vamos tomar um chazinho de coca e ver qualé." E lá veio a minha tia com uma xícara, uma chaleira com água quente e um pacotinho de chá, destes tipo Matte Leão, com folhinhas trituradinhas de coca. Pensei: a indústria do negócio está mais adiantada do que eu imaginava.


O treco tinha até nome. Nome e origem: "Mate de Coca Del Valle – Huyro La convención Cusco". Ah, sim, não poderia me esquecer de citar que o produto é da categoria "Premium". Gosto de categorias "Premium".


Quem providenciou o dito chá foi outra tia minha (acho melhor preservar os nomes por questão de segurança... a minha segurança), que o trouxe do Peru, numa viagem que ela fez a Machu Picchu e Cusco. Dizem que o troço tem propriedades medicinais e ajuda a "equilibrar a pressão" por causa da altitude do local – ou algo do gênero medicamentoso. Em resumo: tomei coca oferecida por uma tia, trazida do estrangeiro por outra (será que as autoridades brasileiras sabem disso?) e sob os incentivos da minha mãe. Alguém aí quer competir no quesito modernidade?


Coloquei o pacotinho em infusão e fiquei na dúvida: adiciono ou não açúcar? Afinal, o açúcar é um desses condimentos que fazem um mal danado à saúde, já dizem os sábios cientistas. Também fiquei preocupado se o pozinho branco (falo do açúcar) estragaria os efeitos (medicamentosos) do chá de coca. Mas como eu não sou homem de adoçante, e de chá amargo já me basta boldo, fui de açúcar mesmo.


No primeiro gole fiquei meio estático, só esperando... Nada. Não aconteceu nada. Nada, digamos, mágico. Era um chá, ponto. Bem do sem graça, pra ser sincero. Tomei mais um, e outro, e um quarto gole. Nada. Nada de ver caravelas, ouvir sinos ou sentir formiguinhas caminhando em meus braços. Nada! Não sabia, então, se parava ou se continuava na provação, afinal, vai saber qual o limite da overdose, não é mesmo? E seria uma tremenda vergonha se no meu atestado de óbito constasse: "falecido por overdose de chá e consequente incontinência urinária".


Cavalheiro que sou, e antes que chegasse ao fim da caneca, perguntei para a minha mãe: "Quer provar?" E ela: "Melhor não". Ou seja, coloca o filho na roubada, de cobaia, mas não compra a briga. Certo, anotado.


Bom, resultado: aproveitando que o chá é só um chá mesmo e de barato só o preço (ganhei uma caixa, que será usada para servir chá das cinco a visitas modernas), decidi produzir uma crônica sobre o ocorrido. Pois, se eu não estivesse em meu normal, por conta de supostas propriedades altivas e aditivas do chazinho, não poderia escrevê-la. Normal?

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