Sobre dados, chimpanzés e gremlins arteiros

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A moça chegou ao show do Paul McCartney, no Rio de Janeiro, e na entrada do Estádio Engenhão precisou sacar uma caneta do estojo que guardava na bolsa. Bom, primeiro que não sei o porquê de alguém levar um estojo com canetas para um estádio em dia de show (ou em qualquer dia); segundo que não sei por quais motivos ela, tendo um estojo, precisava de uma caneta naquele momento. Decerto viu algum famoso na fila (famoso enfrenta fila?) e queria um autógrafo. A questão é que nada disso importa nesta crônica, mas, sim, o fato de que, quando ela abriu o estojo, lá estava - junto a três canetas (de cores diferentes), a uma lapiseira, e a uma borracha - um par de dados.

Daí você me pergunta: "Como assim 'um par de dados'?" Pois é, ela carregava dentro do estojo dois dados (senão, a matemática que me corrija se eu estiver enganado, não seria um par). Dados desses de cassino ou de Banco Imobiliário, creio, com bolinhas pretas em cada uma de suas seis faces representando números. Ou então não, vai ver eram dados eróticos, desses que você compra em sex shop - sim, já entrei num sex shop, mas não comprei dados. Nem comprei nada. Só estava de passagem. Juro!

Bom, é lógico que eu não inventei essa história. Afinal, minha criatividade, como a minha capacidade de fazer contas, tem limites. Eu conheci a moça minutos mais tarde, já dentro do estádio (azar, bem que poderia ter sido dentro do sex shop). Ela estava à minha frente, no meio da multidão, e contava o caso dos dados para uma amiga. Sinceramente, ouvi ao acaso, pois ainda não a conhecia, e, não me aguentando de curiosidade, cutuquei o ombro dela e perguntei: "Por que você trouxe dados para cá?" E ela: "Não sei, eu os comprei em uma viagem e gosto deles. Acabo carregando para todos os lugares". E eu finalizei: "Ah!" E ela, segundos depois, virou-se para mim novamente e perguntou: "Você estava ouvindo a minha conversa?"

Incrível como as pessoas se apegam a certos objetos, não é mesmo? - Pois é, estou mudando o rumo da prosa, tal e qual eu fiz na hora, para não ter de confessar que, entre outras manias, coleciono conversas dos outros.

Da mesma maneira que a moça do show, minha amiga Sílvia, por exemplo, tem guardado desde os quatro anos de idade um pedaço de lã. Não, não sei o tamanho do pedaço. E importa? Gente, é um pedaço de lã! Pior, "um pedaço de lã guardado com estima", segundo ela.

Isso mostra que o ser humano gosta de se apegar a qualquer coisa, basta que a dita coisa tenha algum significado ou, se não tiver, que ele invente um sentido para o objeto a fim de justificar a esquizofrenia e consiga, assim, acalentar a sua necessidade de estima - seja lá o que isso queira dizer.

Outro exemplo: Vera Heggel Kumh, uma zoóloga alemã, coleciona 25 chipanzés empalhados. Por quê? Sei lá, ué! Só sei que fica um em cada canto dos cômodos da casa da zoóloga. Daí você diz "mulher estranha!" Bota estranha nisso, pois ela tem uma casa com 25 cantos. Até agora não entendi como isso é possível.

Eu coleciono, além de conversa dos outros, personagens bizarros. Como esse aí em cima, a Dona Vera. Ela não existe, acabei de inventar. Aposto que você jurava que a mulher existia, mesmo com uma história dessas. Ledo engano, a realidade é muito pior. Essa é fichinha perto do que lemos, assistimos e ouvimos por aí. Agora, vamos confessar, é incrível como basta você dar nome e sobrenome para um personagem (ainda mais se for alemão) para que a gente assine embaixo a veracidade dos fatos. Hora de começar a desconfiar dos jornais, meu povo. Principalmente dos alemães.

Voltando ao que interessa, minha mãe (ela deve ter arrepios cada vez que a cito), por sua vez, é apegada a coisas meio inúteis. Por exemplo? Ora, eu. Se há um troço bizarro e meio inútil neste mundo sou eu. E ela bem que podia ter se livrado de mim lá pelos meus dois anos, que é quando começamos a deixar de ser engraçadinhos e passamos a só dar trabalho. Seria perfeitamente compreensível. Quer dizer, ela não precisava me jogar fora (não quero que você pense que eu sou um cara insensível), podia muito bem ter me vendido para um circo - pelo menos lucrava algum. Mas, não, ela se apegou e me guardou. Deve estar muito arrependida, mas agora é tarde. O pior é que, não aprendendo com o primeiro, resolveu colecionar filhos e teve mais dois. Meu irmão, então, devia ter sido vendido com um ano e seis meses, logo depois que eu derrubei ele de cabeça (... acho que não devia ter contado isso). Já minha irmã se salva, mas só nos meses ímpares.

E eu poderia ficar linhas e mais linhas citando casos e mais casos de pessoas que colecionam coisas, no mínimo, estranhas. Como o calção de futebol, feito de algodão, do meu pai, que minha mãe jogou 49 vezes no lixo (o calção, não o meu pai... se bem que às vezes ele merece) e que sempre reapareceu no guarda-roupa - já no terceiro retorno minha irmã denunciou que havia gremlins arteiros em casa, mas ninguém acreditou. Ou então o urso de pelúcia caolho do meu primo (parecia o Assombroso, lembra-se dele?). O problema não é o urso, que foi para a vala cedo, mas, sim, o tal do olho caído que até hoje está numa gaveta na casa da minha tia. Quiçá a pena do Gansolino - obviamente um ganso de estimação, do pai de uma amiga - que fica na estante da casa dele (do pai, não do ganso), ao lado de uma medalha do Rotary e da foto de formatura da menina. E por aí vai.

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