A hortelã, o playmobil e a malandragem

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No quintal da casa da minha avó tinha uma pequena horta onde havia hortelã – lembrei disso ontem à noite enquanto tomava uma dose de mojito. Quando criança, sempre que passava por lá, catava um chumaço da planta e ficava mascando folha por folha. Achava gostoso. Um belo dia, pensando em como as folhinhas eram saborosas e estavam tão facilmente ao alcance, eu e meu primo tivemos uma ideia brilhante: por que não vender hortelã e ganhar uns trocados? Grande sacada.

O primeiro passo foi pedir à minha avó autorização para colher. Evidente que não iríamos pagá-la pela hortelã, afinal, vó é vó e não deve, a meu ver, cobrar dos próprios netos. Mas felizmente ela permitiu. Tendo a autorização em mãos, a próxima etapa era definir como vender. Não tínhamos muita experiência no assunto, é fato, mas compensávamos com criatividade. Pensamos: ela deve ser vendida fresquinha – só que, confesso, não sabíamos quanto tempo durava uma folha de hortelã depois de tirada do seu devido repouso. Para resolver a parada (não podíamos fazer testes antes, pois éramos crianças, oras!, e a brincadeira precisava ser imediata) colocamos as hortelãs numa bacia com água. Genial.

Depois, outra questão: onde vender? Com 8 e 10 anos, eu e meu primo ainda não tínhamos muitas provisões guardadas (coleção de Lego não contava) e, portanto, não dava para alugar um estabelecimento comercial ou algo parecido. Vender de porta em porta? Era uma opção, mas nossas mães iriam certamente nos limitar aos vizinhos e – se bobear – nem atravessar a rua poderíamos. Melhor saída: vender na calçada, em frente à casa. Pois bem, quase tudo resolvido, definimos um preço razoável e partimos para o labor. Colocamos a bacia em cima de um banquinho, escrevemos o nome do produto e o preço num pedaço de papel e sentamos a esperar o primeiro cliente. Cinco horas depois, ninguém parou sequer para tirar sarro da gente. Decidimos fechar o negócio e voltar a brincar de Playmobil.

Fiquei meio frustrado e descobri ali mesmo que não servia para ser um empreendedor. No dia seguinte, enjoados de brincar de Playmobil, ficamos matutando o que fazer. Como descobri que não levava jeito para o empreendedorismo, parti para algo mais radical: a malandragem. Já que ninguém havia parado na nossa banquinha de hortelã, achei que precisávamos nos vingar. Sabe aquela pegadinha em que você prende uma nota de dinheiro na ponta de um fio e fica escondido esperando algum mané tentar pegá-la? Então, lá fui eu preparar o "brinquedo".

Na época a nossa moeda era o Cruzeiro, se não me engano, mas não me lembro de quanto era a nota. Coloquei ela bonitinha na calçada, estiquei o fio e fiquei escondido atrás do portão olhando por uma fresta. Adrenalina, meu amigo, adrenalina! Lá pelas tantas, apareceu o primeiro candidato a pegá-la. Foi se aproximando, aproximando... e eu ali, com o fio todo esticado, só esperando. Chegava a tremer de ansiedade. Porém o figura não viu a nota e passou reto.

Veio um segundo e mais uma senhora. Nada. Só no quarto passante é que tivemos resultado. Um rapaz, seus vinte e poucos anos, se aproxima. Observa a nota, mas não se abala. Olha em volta sutilmente. "Vem, isso, tenta pegar..." Ele chega bem em cima e eu o espero se abaixar para só então puxar. "Ele vai se abaixar agora, agora..." Eu sabia que não corria nenhum risco porque o rapaz certamente ficaria sem reação por ter sido enganado e, além disso, eu estava protegido atrás do portão, era só correr para dentro de casa.

O homem chega sobre a nota e, tchum!, a prende com o pé. No reflexo, eu puxo o fio que chega às minhas mãos sem o dinheiro preso à ponta. Filho da mãe, ele não se abaixou. Pior, o cara percebeu o que tinha acontecido e foi-se embora rindo às minhas custas, com a grana no bolso. A brincadeira acabou ali mesmo e voltamos frustrados ao Playmobil. Em apenas dois dias descobri que não servia nem para ser empreendedor e nem para ser malandro. Mas, vou te dizer, inventava cada história com meus Playmobils que só vendo.

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