Capítulo 2. Como aceitar?

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Três dias se passaram da morte de meus pais, já me acostumei com a sensação de se viver sozinha pois sempre foi assim. A minha imensa casa agora parece maior ainda, os empregados são meus amigos desde quando eu era criança e me dão forças para continuar. Charlotte minha vizinha veio me ver e saímos para gastar dinheiro atoa, me senti uma pessoa normal já que ela não passa o tempo ao meu lado lamentando a morte de meus pais. Hoje é segunda-feira, são 7:00 horas da manhã e estou sentada na grande sala de jantar, Margot minha governanta e amiga me acompanha no café da manhã como fizera desde que nasci, o silêncio da casa me assusta, apenas palavras necessárias são ditas, mas talvez seja melhor assim. Um empregado chega e para ao meu lado.
- Senhorita, o seu carro já está pronto.
- Obrigada. Tchau Margot. - Me despeço de Margot e saio da sala, passando pelo hall de entrada e saindo da casa.
Na escola todos me olham com olhares acusadores, como se quisessem dizer que eu não deveria estar ali e que deveria estar de luto. O primeiro horário de aulas passou rapidamente com a professora de Geografia tentando explicar para a turma coisas sobre a Segunda Guerra Mundial, que a propósito não é matéria de sua disciplina. Meus "amigos" se quer passaram perto de mim, o que me deixa triste mas aliviada, por saber que só quem é verdadeiro prevaleceu, ou seja, ninguém. Estou me preparando para mais uma aula de sono quando sinto uma sensação de dejavu, fico tonta e me apoio na mesa para não cair, meu estômago brinca de acrobata enquanto me sento na carteira e a minha visão se dispersa vagarosamente....

A minha cabeça dói e meu braço e tronco estão dormentes, abro os olhos sentindo o cheiro típico de um hospital. Tento me levantar mas mau consigo sequer mexer os braços, isso me deixa angustiada. De repente a dor da perda de meus pais cai como um tijolo em minha mente e só agora pareço perceber o quão ruim isto é, só agora vejo o quão ruim ficará a minha vida, percebo o quanto eles farão falta, sinto a falta dos sorrisos mesmo que muitas vezes eles foram falsos, sinto falta de suas broncas devido a minha amizade com os empregados, sinto falta de quando eles viajavam e traziam roupas, acessórios e as fotos que tiravam durante a viajem, minha mãe me entregava uma cópia de todas elas e eu fiz um álbum para isso. Não demora muito para que eu comece a chorar depois que percebo que nunca, jamais terei a presença deles ao meu lado novamente.

***

Ainda não sei porque é que ainda estou nessa droga, duas enfermeiras passaram aqui e me deram uns remédios estranhos. Eu não me permiti chorar mais, mas por dentro estou em caquinhos. Estou lendo um livro desisteressante quando a porta do quarto se abre.
- Você realmente não sabe se controlar garota? - A voz de Robert é alta, ele se posiciona aos pés da cama, me perfurando com o olhar.
- Do que está falando tio? - Minha voz é trêmula.
- Só pode ser brincadeira de Stella, morrer e me deixar uma garota tão burra e inocente assim! Você não deve ir pra escola, não deve sair da maldita casa. E olha ai, você está no hospital! - Ele esbraveja, jogando as mãos para todo lado.
- Eu não vou ficar naquela casa, não mesmo, não vou ficar seguindo suas ordens! - Grito.
- Você vai fazer o que eu dizer sim, se é que você quer receber alguma coisa quando for de maior, se você fizer burrada tudo naquela empresa vai cair sua idiota. Foi você que matou eles, eles não aguentaram seu jeito mimado e arrogante. - Ele vocifera apontando o dedo na minha cara. Levo as mãos no rosto, não vou chorar.
- Olha só para você, nunca seria filha deles, jamais. Foi por isso que eles morreram, Stella nunca seria sua mãe, não aguentou todo esse seu jeito estranho de ser, toda desengonçada e atrapalhada. - Ele agora ri.
- SAIA DAQUI, AGORA. - Grito, então finalmente ele sai, rindo. Meu tio acaba de bater na minha cara com as palavras, eu não acredito que ele jogou todo o peso da morte deles em mim e ainda estou aqui na cama de hospital, atônita. Culpada. Não me julguem mal, mas receber a culpa pela morte de seus pais com apenas 17 anos não é fácil de se engolir. Eu não quero voltar para casa, não quero ter que resolver os problemas deixados para trás e também não quero ter que lembrar deles a cada passo que der dentro de casa. Então me levanto da maca e pego os poucos pertences que tenho no quarto saindo do mesmo em seguida. Eu não sei em qual hospital estou e me dou como perdida, perambulando pelos corredores até que um enfermeiro me empurra por trás me fazendo ir de cara no chão, toda estabanada. Fico lá, com o corpo estirado sentindo todas as dores possíveis quando me dou conta de que mãos me levantam para o encontro de braços e peito fortes.
-Consegue me ouvir? -O lindo dono da voz diz, devo estar babando pois ele me encara com rugas na testa, não consigo dizer uma palavra nem ao menos balbuciar, então aceno que "sim" com a cabeça. Fecho os olhos esperando a tontura passar enquanto o deus grego caminha, quando ele para, vejo que ele me soltará provavelmente me colocando em uma cama hospitalar, me agarro em seu pescoço negando com a cabeça.
-Tudo menos uma cama. -Digo baixo. -Estou bem, pode me colocar no chão, por favor? -Ao menos não perdi a voz!
-Bom, você não me parece muito bem com esse corte na testa. -E ele enruga novamente a testa, que lindo!
- Não estou sentindo nada. -E eu realmente não sinto nada, nem sangue nem dor.
- Mas deveria, fique acordada. -Quanta frieza! Ele volta a andar me deixando tonta, ahhh não, por favor, eu preciso ficar de pé, preciso ficar de pé! Começo a me debater contra o peito do enfermeiro lindo, frio e incrivelmente confortável. Ouço vozes, a tontura volta e lá vamos nós novamente....
*
-Boa noite senhorita Mayers! Que bom que acordou. -A linda voz familiar diz. Deitada, cabeça doendo, pernas mexendo, dedos, mãos, braços, pesc.. que dor! Pescoço não está ok. Solto um gemido de dor e sinto o olhar do enfermeiro sobre mim. Para em seguida ouvir sua voz.
-Bom, então a moça voltou para a cama, e agora ficará aqui até o médico te dar alta novamente. Você caiu e bateu a cabeça, dormiu por 7 horas. Vai ter que se ausentar da escola e repouso total pelo o que diz na sua ficha. -Ui, que direto! Lindo, frio, confortável e direto ao ponto. Bem prático.
-Ok. Mais uma preocupação. -Murmuro tão baixo que não sei se ele ouviu.
Um silêncio se forma no quarto até que consigo erguer a cabeça para vê-lo. Está de costas e consigo ver o desenho perfeito dela, cada músculo no lugar certo. Um deus grego. Que se vira e fixa seus olhos nos meus, nos encaramos por longos segundos e sinto que seu olhar é diferente, calmo. Desvio o olhar me encolhendo na cama, saudade de carinho ou a atenção de alguém, falta constante de amor, tudo é diferente pois antes eu tinha eles e agora só me resta eu. Me viro ignorando a dor para que ele não me veja chorar, mas acho que ele percebe já que suas mãos pousam em meus ombros logo depois. Sua voz sai um pouco rouca e gaguejada.
-Está tudo bem? -A pergunta mais horrível do mundo é feita para mim. Me encolhi mais ainda, não sei o que dizer.
-Sim. -A voz embargada e carregada sai, deixando em mim o vazio que ela significa. As mãos dele me viram, me forçando a olhar fixamente nos olhos dele piscando várias vezes na tentativa de conter as lágrimas, que saem mais frequentemente. Droga inútil de vida! Trago minhas mãos aos olhos para esconder o rosto, e incrivelmente mãos macias retiram as minhas, limpando as lágrimas das bochechas que devem estar rosadas, recebo um carinho na bochecha ao final.

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