Capítulo 8

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Depois que sai para andar e respirar entrei em um restaurante e me arrependi amargamente. Um homem idiota que se diz "recém médico especializado" passou a me atormentar. Comprou um pedaço de uma torta horrivelmente deliciosa (deveria ser pecado alguém fazer uma torta daquelas) e ficou lá na minha frente colocando a minha paciência em prova de fogo. Ele tentou uma conversa normal e talvez civilizada, mas eu só queria ficar sozinha. Confesso que depois que comi a torta que ele pagou pedi mais 2 pedaços, devo estar de TPM. Fiquei no restaurante por um bom tempo, quer dizer, antes do "Sr. Eu Sou Formado" vir me atazanar, eu estava chorando. Essa coisa de morte mexeu muito comigo, mesmo que Stella e Joseph não sejam meus pais biológicos eu fui ensinada à amá-los.
  Percebi que estava há tempo demais fora do velório, precisava voltar, então pego a pequena bolsa e tiro meu celular dela, ligo o mesmo vendo as 15 ligações, 7 mensagens sms e 3 mensagens de voz. São 10:16 então preciso realmente ir, devem estar servindo os aperitivos da manhã, pago a conta, guardando o troco e o celular dentro da bolsa. Me apresso e começo a andar meio que correndo, ao sair do restaurante meu corpo se choca com algo, não dá tempo de assimilar no quê, pois caio no chão feito fruta madura do pé. Vejo dois pares de pés e pernas, então me sinto uma pessoa completamente desastrada (disso alguém ai ainda tem dúvidas?), coloco as mãos no chão e me levanto, bato as mãos e limpo o vestido. Enfim olho para cima e vejo o homem chato e que quando come faz um barulho estranho. Reviro os olhos mentalmente, será que ele não tem nada melhor pra fazer não?
- Você deveria olhar para onde anda.-Sua voz extremamente irritante diz, sério, acho que nenhuma pessoa consegue me estressar desse jeito.
- E você deveria levantar as pessoas que joga no chão. - Digo irritada.
- Não fui eu que te derrubei não, estava parado e você fez todo o trabalho sozinha. - O idiota diz, levantando as sombrancelhas grossas.
- Claro, foi eu que não sabia que teria um muro humano parado na entrada e saída de um restaurante. - Digo com sarcasmo.
- Ah que seja, tenha um bom dia, novamente.
- Um ótimo dia. -Digo, acho que minha voz soa triste, mas também acho que ele não percebe. Realmente um bom dia para se enterrar e cremar seus pais. Um ótimo dia. Sigo o meu caminho, voltado para o prédio onde está sendo o velório. O médico está logo a minha frente, minha cabeça está tão cheia mas ao mesmo tempo tão vazia que acabo por esbarrar em algumas pessoas, e duas vezes caio, quando um ciclista passa rapidamente ao meu lado (particularmente acho que ele me empurrou) e outra quando uma mulher sem educação me dá uma ombrada, não leve à mal, mas sou extremamente fraca, frágil e muito desequilibrada. Odeio tudo isso pois o infeliz logo a frente ri. Paro na faixa de pedestres e atravesso a avenida movimentada quando os carros param. Entro pelo prédio e vou na direção do salão cuja entrada fica ao lado do elevador, entro no salão e meu tio me vê, ele para sua conversa com quem quer que seja e vem em minha direção.
- Melanie, precisamos conversar, como pôde ter sumido daquele jeito? São os seus pais que estão aqui e se você não os respeita faça o favor de respeitar quem veio aqui para prestar as condolências à você e à todos da família, garota ingrata. - Meu tio diz, com um tom extremamente rude, ele me olha com raiva.
- Eu não sou obrigada a ficar aqui, com pessoas falsas e que nunca vi durante toda a minha vida, e a propósito, eles não são meus pais. -Digo e saio do salão, indo para o elevador ainda ouvindo ele gritar:
- Garota mimada e ingrata.
   Aperto o botão para chamar o elevador, então um homem se posiciona ao meu lado, de canto de olho vejo o médico. Qual é! Tiraram o dia para me infernizar?
- Está me seguindo? -Pergunto.
- Não. Estou indo para o meu apartamento, ou você acha que o mundo gira entorno do seu umbigo rico? -Suas palavras são cortantes, rudes, uma dor avassaladora me atinge me fazendo abaixar a cabeça e segurar o choro. O elevador chega e suas portas se abrem, o médico entra e eu dou alguns passos, adentrando o mesmo. Quando percebo que não quero ficar ali e nem em lugar algum desse prédio, saio do elevador correndo, antes que suas portas se fechem. Que merda toda é essa? Por que é que as pessoas estão se voltando contra mim? Que foi que eu fiz de errado? Saio do prédio, pegando o celular na bolsa. Ligo para a única pessoa que posso contar em momentos assim, ela atende no primeiro toque.
- Chris, pode me buscar o mais rápido possível aqui no edifício? -Pergunto, minha voz está baixa, tremida pelo nervosismo. Eu não vou chorar.
- Melanie, você está chorando?
- Anda logo Christopher. Só venha e venha rápido. -Digo desligando. Me sento nos degraus de mármore branco da entrada do prédio, observando apenas o passar de pessoas e carros na avenida. Não sei quanto tempo demora para que Chris chegue até aqui, então apenas olho tudo ao meu redor. Um carro preto para no estacionamento e sei que é ele, me levanto e sigo até o carro, não espero ele descer e já entro no automóvel.
- Melanie, o que aconteceu? -A voz preocupada de Christopher pergunta.
- Nada demais, só me leve embora daqui.
Não presto atenção no caminho e também não ligo para a presença do motorista apenas me deito no banco de trás, meus olhos ficam marejados mas trato logo de segurar o choro. Fala sério, virei um bebê chorão? Não vou ficar chorando mais. Isso tudo vai passar, tenho que ser forte, mesmo que para isso tenho que deixar a Celeste tímida, frágil e desastrada para trás para que uma Melanie forte, determinada, talvez fria e rude surja. Irei me empenhar nas empresas agora minhas, me reerguer e ser forte.
O carro para após algum tempo, então a porta se abre e eu desço, entrando na casa e indo para o meu quarto. Quando chego no corredor olho para a porta ao final dele, me lembrando do acontecido mais cedo. Alguns passos apressados na escada me chamam a atenção, então quando ouço a pessoa chegar ao final dos degraus olho para ela. Margot me olha e seu semblante exala preocupação e até mesmo tristeza. Nos encaramos por segundos, então ela dá um passo em minha direção e minha mão que estava na maçaneta da porta, automaticamente abre passagem para que eu entre no quarto e feche a porta a trancando, ouvindo Margot gritar meu nome. Retiro o vestido e as sapatilhas, os jogando em qualquer canto do cômodo. Vou até o closet procurando um pijama qualquer, ao sair do closet totalmente rico e montado uma voz ecoa pela minha mente:
Parece até que algum estilista famoso iria conseguir mudar esse seu jeito estranho de se vestir.
A tão famosa consciência diz e dessa vez não ligo, pois é a mais pura verdade. Olho para o pequeno criado mudo esquecido no canto do quarto, o porta retratos exibe com nitidez a foto tirada na praia de algum lugar por ai, as 3 pessoas felizes. Argh. Respiro fundo de raiva, de nojo, de dor, de angústia e de medo. Excluo a visão da mente e sigo caminho para o banheiro. Pego sais de banho e óleos para hidromassagens, alguns espumantes líquidos também, coloco tudo na água quente que enche a banheira, tiro minhas roupas íntimas e entro na banheira. Aprecio a sensação otima que toma todo o meu corpo. Relaxante. Em poucos minutos a banheira se enche, então ligo a hidromassagem e apenas sinto meu corpo se relaxar juntamente com meu psicológico. Não vou deixar que pessoas estraguem todo o resto. Não vou permitir que me destruam. Me permito curtir. Após um bom tempo de molho, me lavo e lavo meus cabelos. Me levanto na banheira e pego meu roupão, desligo a hidromassagem e também coloco a banheira para esvaziar. Temos sistema de reaproveitamento de água na casa, então a água da banheira vai para a limpeza de carros, calçadas, pisos, lavagem da piscina, dos quiosques do jardim e quando ela passa por tratamento mais intensivo também é destinada às plantas e para o banho dos cachorros. Isso foi uma idéia minha, pois sou a favor de contribuir para um ambiente mais limpo, ok, eu ando de carro e tudo, porém a maioria movidos a combustíveis sustentáveis. Na época meu pai ficou todo orgulhoso de mim, disse que iria aderir a idéia para as nossas empresas. Sorrio com a lembrança. Enrolo o roupão felpudo no corpo pequeno que tenho, seguindo para o quarto. Visto o pijama, me certifico da porta do quarto estar trancada e fecho as janelas e cortinas. Ligo o ar-condicionado e ajeito a cama, me deitando e enfim cansada demais, dormindo.

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