Não dá pra se ter noção do tempo na minha atual situação, mas digamos que nas últimas semanas a visita de um homem todas as noites, me serve de referência. Das partes que consigo ouvir ele parece me conhecer, às vezes ouço algumas ofensas como "Chata", "Baixinha", "Irritante", "Desastrada" entre outros. Poucas dessas vezes senti carinhos nas mãos, e beijos na testa, me fazendo gostar cada vez mais daquilo, como uma droga viciante.
O dia se passa entendiante como todos os outros, já estou cansada de tudo isso, e penso que a morte seria melhor, mesmo que eu não a conheça. Na maior parte do tempo fico em um lugar escuro, vagando. Encontro pássaros, coelhos, animais em geral. Posso jurar que já vi araras, jacarés, até mesmo onças. Visito paraísos naturais, sabe, descobri que posso criar todo um cenário e andar por ele, como um filme que eu seja a diretora e protagonista.Isso é legal, assim fica menos entediante, mas não é sempre que minha mente consegue essa proeza, afinal, estou em coma, ou seja, o grau de consciência é reduzido.
Passei o último dia de minha vida revivendo toda a minha história, as lembranças, os sentimentos, os amigos e minha família.
A presença de alguém próximo à mim me acorda, sentida com clareza agora. Uma sensação conhecida toma o meu estômago, malditos insetos flutuam dentro de mim, batendo suas asas ferozmente. Um exército de borboletas inúteis que me fazem sorrir, como uma pequena bomba de felicidade instantânea. O coração disparado, a mente à mil e eu só consigo sentir o cheiro do perfume, o toque quente na mão. As borboletas agora fazem guerra, meu coração para por alguns segundos, minutos talvez. Uma doce melodia invade meus sentidos, uma voz familiar. Automaticamente meu cérebro a grava, para eu poder ouvir mais tarde quem sabe?
A calma que eu tanto pedi é concebida à mim, e na presença dele, posso me sentir no paraíso.
-Ah garota, eu gostaria de poder dormir de novo. Depois que você chegou, eu perdi a força do hábito. - Meus sentidos estão em alerta, posso sentir seu toque em minha mão, o calor de sua voz a aquecer meu coração. - Me esqueci que você sempre gostou de me ignorar. Sabe, a gente poderia ter encontros mais legais do que num quarto de hospital, no qual eu sou o único que fala. Fazer um monólogo nunca foi um sonho meu, acredita? Então dê um jeito de acordar logo, porque sei lá, sua chatice faz falta. - Carícias na mão, e a quantidade de esforço que faço para que ele sinta que estou aqui é enorme. O silêncio é perturbador, e posso ouvir seus suspiros. Durante todas as noites ele era um completo estranho, me senti deslocada em todas elas ainda mais depois que parei de ouvir a voz de Peter. Ele sempre foi um mistério para mim, "O desconhecido é gostoso, o proibido é o melhor", a voz de Stella vem em minha mente. Mas o coração bater tão forte assim na sua presença, é quase que assustador. Eu passei a gostar dessa pessoa, ela foi um porto seguro para me manter firme aqui, mesmo que eu não faça absolutamente nada.
Acordo dos devaneios com uma respiração no rosto, sentindo agora as borboletas fazerem piruetas e acrobacias, como num espetáculo circense. Um carinho na bochecha, a mão ainda segurando a minha, um aconchego no peito. Estou na beira do abismo, meus pés ainda me segurando no chão, meu corpo sofrendo os efeitos da força do vento. Aquela sensação de se estar pulando do abismo, amando a sensação de voar sem medo da queda, é assim que me sinto agora. Eu estou caindo, eu pulei do abismo, e não tenho medo da queda. Eu não tenho medo da queda.
EU PULEI DO ABISMO!
EU NÃO TENHO MEDO DA QUEDA!Meu coração grita, em meio à batidas desesperadas, os pulmões buscando o ar que não chega. Eu pulei do abismo. Eu estou voando, mas ainda presa, estou presa nesse mistério. Nesse laço transparente e forte demais para ser desfeito. Eu pulei do abismo. Não tenho medo da queda. Ou talvez eu tenha.
Uma bomba se explode em mim, ao sentir seus lábios nos meus. Eu não acredito. Não pode ser.
Dean!
Estou voando.
As borboletas se movimentam calmamente, como se o beijo dele fosse o remédio para todas as dores. O coração bate devagar, os pulmões calmos respiram todo o ar existente, numa sensação maravilhosa. Meu corpo se esquenta com seu beijo tão simples. E agora mais do que nunca, eu queria que ele sentisse, meus lábios dançarem junto aos seus. Mas ele não sente, pois se afasta de mim.
Meu corpo se esfria novamente, rápido demais pra ser real. As borboletas cavalgam cada célula de mim, batalhando entre si, me esmagando, moendo. Malditos insetos.
Posso sentir ele mudando, se afastando, como se fosse um dono prestes a abandonar seu cachorrinho com a perna quebrada, eu sinto. Uma última euforia, um último beijo, e um adeus.
Eu caí, caí no chão. O vôo acabou e o passarinho morreu, ele teve sua esperança, mas caiu com a asa quebrada, e o coração despedaçado. É assim a verdade. Eu sou um pássaro, que arriscou e voou alto demais.
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Celeste
Teen FictionE se a vida lhe apunhalar por todas as direções? E se ela lhe derrubar e te machucar ao ponto de você não se levantar? Essas foram as 2 perguntas que me fiz durante algum tempo, até eu mesma sofrer as apunhaladas e me machucar. Talvez o empurrã...