Capítulo 2

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É verdade, os clichês adolescentes estavam certos: garotos populares não valem nada. Eu custei a acreditar porque, vamos combinar, a maneira como as escolas brasileiras funcionam não é nem de perto tão cruel e segregadora quanto as americanas, que é das quais tiramos essa premissa. Mas eu estava esquecendo um ponto importante: essa coisa com a popularidade vai muito além do sistema educacional. Ela tem a ver com o ego, com se achar superior aos outros, com acreditar que você pode tudo. Inclusive pisar no coração de uma pessoa que confia em você e a trair sem se preocupar com as consequências.

Foi por não me lembrar disso que eu me deixei abater pelo choque diante daquela cena. Dentro do quarto, Davi jazia imóvel no chão, os cabelos lisos e dourados completamente bagunçados e o peitoral nu subindo e descendo, como se estivesse sem fôlego. Sua cama estava bagunçada, e percebi que o baque que ouvira alguns segundos antes de abrir a porta tinha sido meu namorado caindo dela em uma reação involuntária ao susto que sofrera quando ouviu minha voz. Isso teria parecido bastante estranho, não fosse a garota sentada na ponta da cama me encarando com confusão no olhar.

A adrenalina que eu estava sentindo antes de abrir aquela porta de repente desapareceu, dando lugar a uma sensação totalmente contrária. Meu coração começou a bater cada vez mais devagar e fiquei com medo de que, de repente, eu caísse ou desmaiasse por falta dessas importantes pulsações. O vazio que se estabeleceu ali, porém, me impediu de reagir ou tomar qualquer atitude. Tudo o que eu conseguia fazer era olhar para ela.

A garota era ruiva. Foi a primeira coisa que reparei. Não era um ruivo natural daqueles em que o cabelo é quase laranja: era vermelho; um vermelho vivo e chamativo que acompanhava as ondulações agora-eriçadas do seu cabelo de fogo. Suas longas pernas também eram notáveis. Percebi ainda que a blusa que usava destacava as curvas da cintura e levantava os peitos, que não eram nem tão grandes nem tão pequenos, embora suficientes para chamar a atenção. Ela parecia exatamente o tipo de garota que se tornava o centro das atenções onde quer que estivesse.

Será que isso explicava? Eu nunca fui linda e certamente nunca fui de despertar olhares por onde passava. Eu tinha cabelos pretos e sem graça, que caiam em ondas sem definição entre o liso e o ondulado. Meu corpo também era bem normal: eu não era alta, nem baixa, nem gorda, nem magra. Eu era o exemplo magistral da garota comum.

Senti meu estômago dar uma reviravolta brusca e dei um passo para trás, tonta, esbarrando em Natan, que ainda me segurava. Ele escorregou os dedos até minha mão já há muito tempo livre da sacola de pão e a apertou com força.

Observei a expressão confusa da ruiva se transformar em irritada quando a compreensão começou a invadi-la. Ela pegou uma pequena bolsa em cima da escrivaninha e, mesmo parecendo envergonhada, fitou meus olhos e disse, com a voz controlada:

─ Ele é um idiota. Me desculpa.

Ela apressou o passo em direção à saída. Davi se levantou em um pulo. Ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas pensou duas vezes e deixou a menina ir. Todos nós sabíamos que nada do que ele dissesse agora adiantaria.

Encarei Davi e senti uma enorme necessidade de fugir também. Queria sair correndo para não ter que ver nunca mais a cara daquele babaca. A perplexidade e frustração em seus olhos castanhos-quase-cor-de-mel me despertaram do transe em que eu me encontrava. Então, eu comecei a chorar.

Como ele podia ter feito isso comigo? Como ele podia estar me traindo? Depois de tudo o que a gente passou, depois de toda confiança que eu tinha depositado nele?!

– Você é mesmo um idiota! Filho da p–

– Nina! – Natan me segurou, me impedindo de socar Davi como eu tinha ameaçado. Vi meu amigo balançar a cabeça em negação para o irmão, como se dissesse "Agora não", e me arrastou para fora de casa enquanto me apertava em seus braços.

Além da amizade (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora