Capítulo 5

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Abri os olhos e notei que meu quarto ainda estava escuro. O relógio da cabeceira marcava quatro e dezessete da manhã. A casa estava silenciosa. A televisão que eu usei como artifício na noite anterior para me distrair e tentar dormir fora desligada.

Parecia que não dormir bem estava virando um hábito. Eu estava totalmente desperta e minhas tentativas de pregar os olhos novamente até a hora da aula só me deixaram ansiosa e impaciente. Quando desisti, minha cabeça começou a trabalhar, levando meus pensamentos a Davi e Natan. Ô família para me fazer arrancar os cabelos!

Levantei da cama quase com raiva, não querendo pensar mais nas últimas catástrofes. Entrei no chuveiro com a perspectiva de que a água pudesse expulsar os pensamentos negativos que andavam rodeando minha cabeça. Fiquei lá por vários minutos, apenas deixando minha mente se esvaziar.

Quando saí do meu banheiro, voltei à cama com um livro e tentei manter o foco naquela tarefa. Por um tempo, me deixei distrair por histórias de fantasmas e o mundo de uma garota que consegue vê-los, até que ouvi uma porta se abrir e levantei os olhos, tentando entender quem poderia ser.

– Eu não acredito que você tá reclamando disso de novo, Tereza. – Uma voz alta e grossa perfurou o silêncio e eu estremeci ao perceber que aquela era a hora que meu pai costumava sair. Cedo demais para que eu pudesse encontrá-lo de manhã. – Nós já conversamos noite passada, noite retrasada e em todas as noites dos últimos meses.

– O que você esperava, Marcelo? Eu não aguento mais isso! Você nunca está por perto! Sai cedo, volta tarde...

– É o meu trabalho, Tereza – ele disse, cortando-a.

– Você não sente saudade de casa? Dos seus filhos? Quando foi a última vez que você falou com algum deles? Que sentou para conversar e saber o que anda acontecendo na vida deles?

Ele ficou em silêncio, sem saber o que responder.

Levantei da cama, indo até a porta de fininho. Em silêncio, abri uma fresta para ver o que acontecia lá fora. Minha mãe estava parada em frente à porta do banheiro, usando ainda sua camisola comprida. Não conseguia ver meu pai, que devia estar dentro do cômodo.

– Que ótimo! Você nem consegue se lembrar de quando foi a última vez que conversou com seus filhos. Que belo pai você tem sido, Marcelo!

– Eu só tô colocando comida nessa casa. – Tentou se justificar, parecendo, pela primeira vez em muito tempo, envergonhado.

– Não! Você sabe que isso não é verdade. Nós conseguiríamos muito bem sobreviver sem esse seu trabalho. Eu conseguiria ter um marido de verdade, também, sem essa merda de trabalho!

– Olha, eu batalhei muito para chegar onde cheguei, para conseguir esse emprego. – Sua voz enraivecida voltara. – E agora você tá me pedindo para largá-lo?!

A indignação estava nítida em seu tom.

Ele saiu do banheiro e entrou novamente em seu quarto, tão rápido que só consegui distinguir sua silhueta. Minha mãe o seguiu.

– Não tô pedindo para você largar seu trabalho – respondeu minha mãe, numa voz calma. – Mas acho que talvez seja hora de você escolher o que quer.

– O que você quer dizer com isso? – perguntou, aparecendo à porta com o cenho franzido.

– Eu não vou mais tolerar esse casamento se não decidir o que é mais importante pra você: seu trabalho ou sua família.

Meu pai a encarou, incrédulo. Ele desviou o olhar, parecendo precisar de algum tempo para considerar o que minha mãe havia dito, mas então ele me viu. Sua expressão mudou de ceticismo para surpresa. Mantive meu olhar rígido por alguns segundos antes de fechar a porta e escorregar para o chão, encostada a ela.

Além da amizade (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora