– Anna, acorda.
A voz feminina soava carinhosa. Sua dona me deu uma cutucada de leve, mas eu apenas resmunguei e virei para o lado oposto, ignorando o chamado.
– Vamos lá, Nina. Acorda.
Resmunguei de novo e coloquei o travesseiro em cima da cabeça.
– Sai! Me deixa dormir! – tentei reclamar.
– Qual é, Anna? Acorda. Lá fora tá fazendo um dia perfeito pra um mergulho. Você não vai querer desperdiçar seu domingo dormindo, né? – Jullie disse, como se eu fosse maluca por preferir ficar na cama. Mas maluquice mesmo era acordar cedo num domingo para ir à praia – ou para qualquer outro lugar.
Na verdade, praia era a única palavra que me fazia levantar da cama feliz, mas naquele dia, em especial, eu só queria desaparecer.
– Não quero ir à praia – esperneei. – Só quero dormir.
– Anna. – Sua voz baixa e manhosa foi o suficiente para que eu amolecesse. É claro que aquilo não se tratava de ir à praia. Jullie provavelmente já sabia sobre o acontecimento de ontem, e, junto com Natan, só queria me arrastar para qualquer canto, apenas para me fazer esquecer.
Sentei na cama, suspirando alto, e encarei meus dois amigos parados à minha frente. Enquanto Natan vestia apenas uma bermuda, Jullie parecia não lembrar que queria ir só à praia. Com o corpo alto e desengonçado cheio de apetrechos, o cabelo loiro escuro solto sobre os ombros e o sorriso singelo habitual estampado à face, ela estava tão Jullie quanto era possível.
Eu sabia que os dois só queriam ajudar. Podia ver essa vontade naqueles rostos, e isso era a única coisa que me impedia de ficar irritada. Mas eu não estava animada para ir à praia e eles tinham que compreender.
– Jullie. Nael – falei, cansada. – Eu agradeço muito o que vocês tão fazendo. Mas, por favor, hoje não. Não tô pronta para sair e fingir que tô bem.
Natan deu uma risadinha enquanto encarava a loira.
– Eu te avisei.
Jullie rolou os olhos e empurrou Natan com implicância. Em seguida, ela se dirigiu novamente até meu lado e se sentou na cama, perto de onde eu ainda estava deitada.
– Nós não queremos que você saia e finja que tá bem. A gente quer ver você bem de verdade. – Eu encarei seus olhos castanhos cheios de compaixão e expectativa, sem saber o que dizer. Jullie tinha um rosto muito bonito: ela era branquinha como porcelana, e não importava com qual frequência pegássemos sol, seu nariz comprido estava sempre coberto por uma faixa vermelha. Mesmo com quinze anos para se acostumar a isso, ela ainda ia à praia todas as vezes repetindo para Natan e eu sua frase de sempre: "hoje eu vou me bronzear, vocês vão ver". É claro que isso nunca acontecia.
Jullie passava, na primeira impressão, a imagem de uma bonequinha tímida. Eu conhecia bem minha amiga para saber que isso estava longe da realidade. Era só ela abrir a boca para toda a ilusão de uma pessoa calma e serena ir embora.
Um pigarro dela me tirou do devaneio. Jullie ainda estava me encarando, esperando por uma resposta. Quando eu continuei sem dizer nada, ela complementou:
– Sei que não é fácil, mas você não pode deixar isso te abater.
– Eu sei, Jullie, mas hoje não. – E acrescentei, para tornar as coisas mais fáceis: – Agora não.
Ela bufou, deixando de lado a pose protetora. Mas foi Natan quem falou dessa vez.
– Ok, Nina. Você venceu. Mas se quer ficar triste, teremos que ficar tristes juntos. – Então, ele também se sentou na beirada da cama, com os braços cruzados na altura do peito, como se estivesse em protesto.
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Além da amizade (COMPLETO)
Teen FictionAquele poderia ser um dia como outro qualquer - mas, tão inusitado quanto uma frente fria no verão carioca, aquele sábado estava longe de ser banal. É por causa do seu rumo inesperado que Anna Schwartz se vê entrar em uma nova (e não tão boa) fase d...