Não deixem as agulhas falerem por mim.

4.1K 427 5
                                    

Já havia quase um mês que estava no hospital, ainda sentia algo sobre meu útero mas, os médicos disseram que era algo psicológico.

Jamais imaginaria que a fé de uma pessoa cresce tanto na dificuldade, para mim era triste descobrir o que era realmente família nesta situação, Deus, Ezequiel, Márcia, Isa e Gabriel não poderiam ser mais maravilhosos, com tão pouco tempo os médicos perguntavam se não estava desesperada por estar em cima de uma cama, destinada a morrer, sabia que tudo o que houvesse seria pela vontade de Deus.

— Sarah, chegou a hora! — disse Marta abrindo a porta. Marta era uma das medicas que mais cuidava do meu caso, e hoje seria minha quimioterapia.

— Vamos. — infelizmente não tive muito tempo para cuidar do meu cabelo, ele foi mais rápido que eu, e hoje eu iria me despedir dele pela última vez.

— Estarei aqui te esperando! — disse Gabriel apos dar um beijo em minha testa.

— Estaremos aqui! — disse Isa sorrindo.

Assenti e então fui, nos dias que fiquei aqui acompanhando meu caso parte por parte, pude perceber o quanto somos frágeis, a três semanas atrás descobri que estava com câncer em estado avançado e agora estou andando de cadeira de rodas indo fazer quimioterapia, não somos nada sem Deus. E o mais chato de tudo isso é descobrir que eu so me apaguei mais a Cristo depois que descobri esta doença, não queria que fosse assim, e sim que eu o descobrisse na alegria, talvez esse seja o erro crucial do ser humano.

Me olhei no espelho e sorri, passei a mão sobre o cabelo e assenti dando permissão para o começo da quimioterapia.

(…)

Acordei ainda um pouco sonolenta, estava em um quarto diferente, era branco, e havia muitas agulhas. Aquela foi minha deixa para pensar, pensar em tudo o que passou, de uma garota maltratada a uma prostituta, para uma dona de casa, mãe e agora cancerosa, posso dizer que dei uma boa volta na vida.

— Olá Sarah! — disse um dos enfermeiros. — Irá ficar aqui durante um tempo, está tomando medicamento forte e não é apropriado que fique em qualquer quarto! — ele sorri. — Porque você não é qualquer pessoa!

— Não sou mesmo, sou apenas mais uma garota com câncer que finge não chorar por ser forte! — o encarei. — Não é qualquer pessoa que faz isso, não é?

Ele ri.  — Sempre irônica não é?

— Ironia não, sinceridade! — disse. — Gabriel não poderá me ver?

— Não essa semana, ficará um pouco isolada!

— Legal, não basta o câncer, agora sozinha? — gargalhei. — Tudo bem, posso beber água?

— Não, mas posso molhar sua boca com algodão!

Essa desde então era minha vida, a quimio acabava comigo e me fazia ficar a cada dia mais dependente, os medicamentos fortes me faziam dormir o tempo inteiro, e parecia que a cada sono eu  ficava mais cansada, fraca e sem esperanças.

Todas as quintas Ezequiel e Márcia vinham fazer correntes de oração, mas na verdade até eu já estava desacreditando, em pouco tempo fui de razoável a estado grave, talvez eu tenha vindo ao mundo para mostrar o que é vida dura, ou até mesmo para dizer, aproveite a sua vida, tem tudo e ainda pode sorrir de graça.

Eu já sabia que iria morrer, mas as pessoas a minha volta não queriam aceitar essa hipótese.

“— Não fale assim Sarah, ainda vamos conseguir reverter esse quadro, nada é impossível para Deus”

Eram sempre essas as palavras que ouvia, mas será que por um momento eles não pensaram que essa poderia ser a vontade de Deus?

Aquelas escolhas machucavam somente a mim, os medicamentos fortes para me fazer voltar, eram doloridos, e feria somente á mim, quando acordava estava cercada de sorrisos, mas o único que não era verdadeiro era o meu.

— Levante, e estique! — disse a moça da fisioterapia. — Está indo muito bem Sarah!

Ao longo destes exercícios ficava exausta, eram coisas tão bobas que me deixavam fraca e cansada a ponto de ter uma falta de ar, e agora já me faziam dormir mais que antes e isso ocupava todo tempo de visita.

— Como está se sentindo? — perguntou Gabriel passando a mão sobre minha cabeça.

— Cansada. — disse jogada naquela cama com os olhos parados e com o corpo cansado de estar deitada.

— A médica disse que está ficando com dificuldade de respirar, respira muito pouco sem o oxigênio! — disse Gabriel.

— Não consigo mais fazer nada sozinha, comer, respirar, sou apenas um corpo esperando para...

— Para Sarah, chega, isso vai acabar!

— Vai sim. — sorri. — Peça para desligar os aparelhos.

— Odeio conversar com você quando está assim sabia, poxa, foi forte o suficiente para chegar até aqui, e agora quer desistir?

Acabei me desmanchando de chorar. — Só estou cansada, cansada…— meu olhos foram fechando.

— Estarei aqui quando acordar! — ele segurou na minha mão cheia de agulhas.

Uma nova chance.
Não deixem as agulhas falarem por mim.
Carol Machado.

Uma Nova Chance.Onde histórias criam vida. Descubra agora