Capítulo 1 - O primeiro Rens já foi.

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O sol esquentava a minha pele branca, mas por dentro eu me sentia gelada, apesar das minhas mãos suadas dizerem o contrário.
Aquela sensação de vazio me assombrava outra vez.
Tentava afundá-la dentro de mim, mas não era tão fácil esquecer o que não queremos lembrar.

Caminhei pelo cemitério sozinha, não suportaria ter feito isso junto com todas as outras pessoas, que estiveram lá naquele dia. Tinha deixado para o ultimo segundo por esperança que ninguém estivesse lá quando eu chegasse.
Com alguma sorte teríamos nosso tempo às sós.
O que acabou acontecendo.


Levei a sua flor favorita comigo. Porque mesmo que ela não estivesse mais ali, eu sabia que fosse onde estivesse ela ia gostar do gesto.
Não era como eu planejava passar seu aniversário. Tínhamos feito tantos planos para esse dia, que me doía só imaginar que passaria ele sem ela.
Também não era meu plano completar dezoito anos, três dias depois, sem a minha melhor companhia.
Mas infelizmente naquele ano seria diferente.
Tudo, já estava sendo diferente.

Odiava frequentar lugares como aquele, onde as pessoas eram representadas por pedaços de mármore polido. Esses lugares sempre eram sombrios e solitários. E ao contrário das outras pessoas eu não sentia medo ali, mas sim tristeza. Todos aqueles dizeres carinhos, definindo como cada pessoa ali era, me fazia sentir a dor que as famílias sentiam ao expressá-las.
Com o desenvolvimento do meu dom, tinha ficado cada vez mais sensitiva com as coisas ao meu redor. Como se fosse capaz de sentir cada sensação que as pessoas largavam ao vento.
E quando eu olhava para as lápides, tudo que eu conseguia pensar era que aquele ali era a prova real do fim. O fim de muitos, misturado com a tristeza de outros.

Lá estava seu nome. Acenando para mim, me levando para o único lugar onde não queria estar, o dia que a enterramos. Afastei as lembranças assim que meus olhos se encheram de lágrimas, na esperança que não doesse tanto estar ali.

Me aproximei da sua lapide e me ajoelhei para tocar a pedra gelada. Larguei as flores ao lado das muitas que ela já tinha recebido aquele dia, depois contornei as letras cursivas que desenhavam o seu nome.


SUAN MCFILD
AMADA E QUERIDA FILHA
1996 à 2011

Não conseguia parar de chorar, minha culpa me atormentava mais do que eu era capaz de suportar. Cada vez que eu olhava pela minha janela, cada vez que alguém pronunciava seu nome e sempre que eu via a nossa foto no porta retrato que ela tinha me dado, que ficava na minha estante de livros, parte de mim morria por dentro.
Ela não deveria ter estado lá aquela noite. Ela não fazia parte daquele mundo, e de alguma forma, sem que ninguém soubesse, acabou sendo o sacrifício que nos salvou.
E eu nunca me perdoaria por aquilo.
Sentia tanta a falta dela que daria parte de mim para consertar tudo que tinha acontecido. Tinha perdido o brilho dos meus dias e cada vez que sentia aquele enorme vazio, pensava ser a sua falta na minha vida.
Tinha superado tudo que tínhamos passado, estava vivendo um dia de cada vez, mas ainda sim me sentia arrasada todos os dias à noite. Não tinha sonhos, mas mesmo assim tinha medo de dormir. Porque cada vez que eu levantava o vazio me dava bom dia.

Nem mesmo me focar no meu dom adiantava. Cada vez mais eu podia sentir o que as pessoas sentiam. Cada vez mais eu conseguia controlar o que elas pensavam, criando lembranças que nunca existiram, mas quanto mais forte me sentia, mais o vazio me consumia. Se eu tivesse visto o que estava prestes a acontecer, se tivesse visto a mente de todo mundo como qualquer telepata faria, talvez nada daquilo tivesse acontecido. Mas não, eu me escondi. Tinha tanto medo de perder o controle que neguei todos os fatos até que fosse tarde de mais.
E doía pensar que podia ter evitado a morte dela. Eu era a culpada, e ninguem além de mim, devia ter pago pelos meus erros.

2- A Telepata_ IrreversívelOnde histórias criam vida. Descubra agora