Dezessete

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Dentro de nós, existe uma camada fina de vidro. Quando alguém consegue atingir essa camada, ou a pessoa escolhe quebrar ou ela redobra o cuidado com essa camada, impedindo que um dia ela se quebre.

Eu vivi como se estivesse sobre uma camada de gelo fino, cuidando cada passo para que eu não me deixasse cair e quebrasse uma parte essencial de mim mesma que se chama: Honestidade.

Meu pai me ensinou, que nunca devemos roubar nada de ninguém e nem menosprezar o pouco que o outro pode ter. Temos que sempre doar o melhor que temos em prol dos outros, mostrando que sou diferente do que acreditam que eu sou.

Eram cinco e meia da manhã, alguém tocava a minha campainha feito louco. Me levantei, ajeitei os cabelos e vesti uma roupa. Poderia ser Luiza, algo aconteceu?

Descendo as escadas da pensão, não percebi que havia posto um vestido cheio de imagem de gatinhos pretos e brancos, um chinelo de pares trocados e um casaco amarelo. Nada combinando como sempre.

Quando abri a porta, a surpresa se substituíu por horror.

- Mi... Mikhael? - O vi nervoso e me encarando feio. Veio sozinho pelo jeito em seu carro. - O que faz essa hora?

Ele me puxa para fora do prédio. Me põe dentro do seu carro e logo responde.

- Precisamos conversar é muito importante. - Ele dá a partida.

Saimos do meu bairro rapidamente, chegamos a um quiosque na orla de um lago meio iluminado. Meu Deus, o que houve para ele estar dessa forma?

- O vestido de Flor, onde está? Você o pegou?

Apavorada fico um minuto em silêncio. Logo, me lembrando dos fatos, respondo.

- Mikhael eu deixei o vestido no camarim ao lado das coisas de Benjamin. - Olho em seus olhos mostrando sinceridade.

Ele me analisa alguns minutos.

- Você mente muito mal. - Ele vira cara em deboche.

- Peraí! Está dizendo que eu roubei? - me viro sentada no banco do carro ao seu lado olhando a sua face ainda me ignorando.

- Está se entreg... - Ele é interrompido pela minha porta se abrir.

Saio do carro furiosa. Não bastava na festa, agora ele me chama de ladra? Já aguentei o suficiente.

Ele sai do carro, e novamente puxa o meu braço, sinto dor, pois era o mesmo que ele havia me machucado antes. Por alguns segundos ele percebe e me solta.

- Será que eu tenho que virar sua casa de cabeça para baixo? Não basta dizer a verdade? - Me encara.

Fico olhando nos olhos dele.

- É MAIS FÁCIL VOCÊ ME ACUSAR E ME HUMILHAR, DO QUE A SUA AMIGA LOIRA AZEDA? - Grito.

- NÃO OFENDA A LINDA! - Ele grita de volta. - Como ousa?

- Eu a vi retornando ao salão enquanto eu descia as escadas. Luiza não me deixou ver o resto, por isso só posso alegar o que vi. - Abaixo a cabeça constrangida. - Depois de toda aquela cena, você ainda fica do lado dela?

- O que esperava? Que eu te protegesse dela? Ela apenas agiu tomando as minhas dores, você não percebe que a única errada aqui é você! - Aumenta a voz. - PASSEI A NOITE INTEIRA QUERENDO O SEU PESCOÇO DE TANTA RAIVA QUE EU ESTAVA! E RAPHAEL A PROTEGENDO... ISSO ME DEIXOU COM MAIS RAIVA AINDA!

Mikhael cerra os punhos. Percebo que sua mão sangrava muito. Aquilo desperta meu lado "devo estancar feridas do animal" e institivamente pego sua mão o interrompendo.

- Há quanto tempo está usando isso? - O encaro seriamente.

Ele perde a linha de raciocínio na mesma hora e me responde sem muito pensar.

- Seis horas?! - Me encara desconfortável.

Do outro lado da rua havia uma farmácia, arrastei Mikhael pela mão e fiz ele comprar algumas coisas. Voltamos para o carro.

- Ei o que...? - Ele me vê cuidando de sua mão.

- Cala a boca por dois minutos? - Pergunto lhe encarando.

Enquanto refazia o curativo, sentia seu olhar sobre mim, não estava concentrada no que ele achava e sim em ajudá-lo.

- Fiz até o quinto semestre de veterinária, sem recursos tive que trancar. E antes que resmungue algo, eu entendo um pouco de primeiros socorros e odeio ver alguém sangrar na minha frente. Pronto. - Mostro a ele a sua mão perfeitamente cuidada e acabo sorrindo sem perceber.

Por alguns minutos ele encara a própria mão, logo volta seu olhar para mim, vejo seu rosto mudar a expressão e como se tivesse adimirando o meu sorriso, ele sorri de volta singelamente.

PARA TUDO!

NÃO FAZIA NEM CINCO MINUTOS QUE ELE QUERIA ME MATAR E EU FAÇO ISSO?

Meu rosto fica sério e agora preocupado. Vou colocando a mão na porta lentamente e ele muda a expressão também. Saio do carro as pressas, ele sai ao mesmo tempo e vai na minha direção caminhando a passos largos como eu.

- Se você não vai acreditar em mim, então me deixa ir! - Sigo de cabeça baixa muito preocupada.

- Hei! - Ele segura o meu ombro.

Eu grito, ele para e me olha cobrir o rosto de novo nervosa.

- Na verdade era para mim fugir de você... Mas, parece que tem mais medo de mim do que juizo naquela hora em que me bateu.

Escuto uma risada de leve, olho em sua direção em dúvida e vejo aquele meio sorriso.

- Não vai... Me bater? - Pergunto.

Ele me encara e depois desvia a face rapidamente sem conseguir me encarar. Se fingindo de "bonzão"?

- Temos outras coisas para resolver em primeiro lugar. Eu vou a sua casa e quero que abra todas as suas gavetas! - Me fuzila novamente com os olhos.

Ele ainda não acredita em mim, então terei de provar que não estou mentindo.

Lá vou eu de novo, caminhar no gelo fino.

Eu também sou mulher! - [Pausado]Onde histórias criam vida. Descubra agora