Capítulo XII - MALU

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Ninguém sabia qual era o motivo verdadeiro do meu plano. O Tião até sabia parte dele, mas a verdade verdadeira mesmo, eu guardava comigo a sete chaves.

Na verdade, eu mesma não queria admitir que eu estava dando vazão a uma ideia completamente louca e sem sentido, mas desde aquela noite, eu não conseguia pensar em outra coisa.

Tudo começou numa noite dessas, em que eu tivera um sonho. Era com aquele doutor bonitão do hospital, e eu estranhei, pois não pensava nele desde que saíra de lá. No sonho ele se comunicava comigo por pensamento, do mesmo jeito que eu faço. Ele me dizia que tinha as respostas que eu tanto queria e que eu devia procurá-lo. E então acordei encucada.

Não falei sobre esse sonho com ninguém, pois eu sabia qual seria a reação deles sobre isso. Todos eles odeiam o hospital com todas as suas forças, e eu não os culpo. Mas eu sentia que de alguma forma aquele médico sabia alguma coisa sobre mim. A maneira como ele se importava comigo era pelo menos estranha. Tinha que haver um motivo para isso, já que as meninas no hospital me disseram que médicos não tinham qualquer tipo de relação com os pacientes. Tinha que ter uma explicação pra isso, e eu estava disposta a correr atrás dela.

Quando eu recebi o segundo chamado do Tavinho, num momento de loucura, acabei sugerindo meu plano, acreditando piamente que eles iriam negar e rir da minha cara, mas isso não aconteceu. Todos ficaram chocados e me acharam uma maluca completa, mas fora isso, ninguém se opôs. E então notei que era minha chance de resolver dois problemas em um: tentar salvar o Tavinho e sair da vida deles.

O único que sentiria minha falta seria o Zeca, já que a Sara agora voltara a falar com a Helô. E ele sentiria falta de quem? Daquela Malu que ele conheceu na infância? Porque sendo bem honesta, éramos completos estranhos um para o outro. No fim das contas, eu só estava sendo um peso enorme para eles.

*

Eu sabia que se demorássemos demais para agir, o Zeca acabaria dando pra trás. E foi o que aconteceu. Dois dias após a nossa decisão, ele decidiu que mais gente participaria do plano, com ou sem meu consentimento. E eu tive que ficar quieta.

Após alguns dias planejando muito bem cada detalhe do plano, chegamos a conclusão que era hora de agir. Todos já tínhamos nossos papeis bem ensaiados, pois sabíamos que não haveria espaço para erros.

Até o Tião que andava de marcação cerrada comigo, passou a me deixar em paz depois que eu lhe explicara meus motivos – ou parte deles. Ele até era bem solícito em alguns aspectos do plano, como quem diz "Se eu te ajudar, você jura que vai embora?".

O plano consistia em uma série de ações cronometrada e muito bem arquitetada. Ele era longo e muito cheio de detalhes, mas que se resumia em todos encontrar o Tavinho e tirá-lo de lá – essa era a parte que eles sabiam – e procurar o médico atrás de respostas – essa era a parte que eu não contei pra ninguém.

No dia anterior, estavam todos apreensivos e ansiosos, inclusive eu. Por mais que tentássemos manter uma conversa ou fazer nossos afazeres diários, estava difícil fingir que aquele era um dia normal. Tentei me manter afastada do grupo, mas não foi possível. Logo o Zeca apareceu.

- Você está preparada? – perguntou ele, sentando ao meu lado – Se não estiver a gente pode deixar pra outra hora...

- Tudo bem, Zeca – respondi sorrindo – Eu estou pronta. Vai dar tudo certo.

Ele parecia ainda mais inseguro que todos os outros, inclusive o Tonho. E olha que isso era quase impossível.

- Eu estou com medo – admitiu ele, após um longo silencio – E se acontecer alguma coisa com você?

- Vocês vão continuar em frente – respondi, como se fosse óbvio – Como eram antes de eu vir pra cá.

- Nada vai voltar a ser como antes, Malu – tornou ele, sombrio – Eu passei tanto tempo pensando em você e em como eu tinha quebrado minha promessa, e agora que eu sei que você está bem eu sinto como se não fosse o suficiente.

- Zeca...

- É sério! – ele parecia ainda mais ansioso – Você é a única família que eu tenho. Mesmo que a gente não seja família de verdade, a gente está junto desde sempre. Por isso eu preciso saber. – ele colocou o pedaço de braço no meu ombro. Ele nunca tinha me tocado com ele - Malu, se você acha que existe qualquer possibilidade, mesmo que seja minúscula, de esse seu plano falhar, por favor, vamos desistir enquanto há tempo.

É claro que existiam diversas possibilidades do meu plano falhar! Era um plano falho, improvisado e cheio de mentiras – e eu estava me sentindo muito culpada por isso. Havia uma possibilidade minúscula desse plano dar certo. Mas não falei nada. Apenas o tranquilizei.

- Vai dar tudo certo, Zeca – tentei parecer animada – Amanhã o Tavinho vai voltar pra cá e tudo vai voltar a ser como antes.

Com um sorriso xoxo ele se levantou. Tive que ser muito forte para não cair na tentação de ouvir o que ele pensava. Quando ele estava há uns cinco metros de mim, chamei-o novamente.

- Zeca! – gritei – Esse grupo é cheio de pessoas especiais. Você não precisa carregá-lo nas costas.

Ele apenas sorriu. E desta vez, pareceu sincero.

A Segunda Geração - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora