Eu pensei que eu não fosse mais ver o meu irmão. Não que eu duvidasse da capacidade de todos eles, mas pensei que escapar daquele lugar novamente seria uma missão impossível. Para minha felicidade, não foi.
Fiquei um pouco chocada com a notícia a respeito da Malu. Minha diferença com ela era única e exclusivamente devido ao Zeca. Fora isso, sempre achei ela uma pessoa legal. Não pensei que ela pudesse largar a gente para se juntar àquelas pessoas. Não que ela não tenha esse direito. Só pensei que ela fosse diferente.
De todos nós, o Zeca foi quem recebeu essa notícia da pior maneira possível. Eu estava chateada, sim, por ele estar tão chateado. Afinal, eu não tinha tanta certeza de que se fosse eu no lugar dela, sua reação seria tão exagerada. Reclamações à parte, eu tinha que pensar no lado bom da coisa. E o lado bom era que eu não tinha mais ninguém para dividir o Zeca.
Passei o dia inteiro matando as saudades – e o remorso – do Tavinho. Eu precisei quase perdê-lo para perceber como ele era imprescindível da minha vida. Apesar de todo o transtorno, era maravilho tudo voltar a ser como antes.
*
Estávamos todos sentados no jardim em volta da fogueira. Aquela era uma noite especial para a maioria de nós – inclusive para mim – e estávamos cantando como fazíamos de vez em quando. O inverno este ano estava menos rigoroso que o normal, mas ainda assim estava bem frio, mesmo em volta da fogueira.
Enquanto o Tião puxava canções, que todos nós acompanhávamos, senti uma mão no meu ombro. Era o Zeca, que estivera longe o tempo todo, mas resolvera aparecer.
- Posso conversar com você? - perguntou ele, claramente desconfortável.
Eu não queria conversar com ele. Apesar de tudo, eu ainda estava magoada com todo o que acontecera. Toda essa história do sequestro do Tavinho me ajudara a tirar o foco, mas agora que ele estava de volta, toda essa confusão voltou à tona.
- Não sei se é uma boa ideia – respondi.
- Por favor – insistiu ele.
Respirei fundo e concordei. Segui ele até a cozinha e nos sentamos à mesa. Fiquei o encarando, de braços cruzados por muito tempo, antes de ele finalmente começar a falar.
- Eu queria que você me perdoasse – começou ele – Por esse tanto de besteiras que eu fiz nesses últimos tempos.
Achei que seria fácil simplesmente dizer que eu o perdoava, e que tudo voltaria a ser como antes. Mas não foi. Não respondi nada.
- Eu entendo que você não me queira mais. Eu cometi um bocado de erros ridículos pra defender... - ele parou por um instante – Você sabe.
- Sei – disse.
- Eu só quero que você saiba que eu tenho consciência do quão otário eu fui – tornou ele – Não sei se isso te serve de consolo, mas eu estou me sentindo um completo idiota.
- Isso não me serve de consolo – tornei zangada – E se você pensa isso de mim, eu só tenho mais certeza que você não me conhece mesmo.
Eu queria me manter indiferente e simplesmente ignorar suas tentativas de desculpas, mas eu não conseguia.
- Eu queria tanto ficar feliz em saber que você quebrou a cara com tudo isso – continuei – Queria poder rir de você por ter negligenciado todos os seus amigos e eu, para correr atrás da Malu. Queria poder estar satisfeita em dizer "eu avisei". Mas eu não consigo. Eu gosto muito de você, e ver você sofrendo me faz sofrer também, mesmo que minha razão me diga o tempo todo que foi você quem causou tudo isso.
Ele permanecia em silêncio, o que só comprovava que ele admitia toda a culpa que tinha nessa história toda.
- Não foi fácil ver você me trocando por ela, Zeca – tornei – Mesmo que você insista que ela era como uma irmã, e eu não quero entrar nesse mérito, foi duro pra mim ver você se afastando cada vez mais de mim. Eu não sabia o que eu tinha feito de errado. Até agora eu não sei o que eu fiz de errado.
Levantei da cadeira num misto de tristeza, raiva e dor. Eu não ia mais aguentar ficar sentada naquela mesa conversando com ele, feito uma pessoa civilizada. Eu já tinha ultrapassado meu limite.
- Você não fez nada de errado – explicou ele, levantando-se também – A culpa foi toda minha, Iolanda. Toda minha!
Passei por ele sem dizer nada. Eu só queria sair dali o mais rápido possível. Mas alguma coisa me forçou a parar do seu lado. Sem titubear, ele segurou a minha mão e a entrelaçou na sua, como ele costumava fazer quando ainda estávamos bem.
- Me dá mais uma chance – pediu ele, levando minha mão entrelaçada na dele até seus lábios e dando um beijo.
Eu tinha certeza absoluta que ele estava triste demais para raciocinar com clareza e perceber que era de mim que ele realmente gostava. Eu sabia também que ele ainda gostava muito dela e que só estava fazendo isso para puni-la pela decepção que ela lhe causara. Sabia ainda que isso não ajudaria em nada a fazê-lo parar de gostar dela. Mas não consegui dizer não.
- Tudo bem – disse
Ficamos ali, parados, olhando um para o outro pelo que pareceu uma eternidade. Eu não conseguia parar de pensar na tremenda idiotice que eu estava fazendo. Ao mesmo tempo, eu me sentia muito sortuda por poder tê-lo de novo. Eu me amava e me odiava ao mesmo tempo.
Por fim, ele me beijou. E quando isso aconteceu, minhas dúvidas não sumiram, como eu pensei que aconteceria. Na verdade, elas só ficaram mais evidentes. Será que valeria a pena levar em frente um namoro desse jeito? Não sei. Mas eu estava satisfeita em tê-lo novamente.
- É a sua primeira e última chance – disse, quando paramos de nos beijar – Não a desperdice.
E mesmo me sentindo a maior idiota desse planeta, eu estava feliz.
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A Segunda Geração - Livro 1
Fiksi IlmiahApós vários dias em coma, Malu acorda em uma cama de hospital, sem lembrar nada sobre seu passado. Sua única companhia - além de colegas de quarto estranhas e enfermeiras rabugentas - é um médico bastante empenhado em ajudá-la a recuperar a memória...