Capítulo III - MALU

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Já tinha um pouco mais de uma semana que eu estava com o grupo e ainda assim eu me sentia uma completa estranha. Apesar de todos me dizerem que aquilo era normal e que dentro de pouco tempo eu me adaptaria, eu sentia como se nunca fosse pertencer a esse grupo.

Primeiro porque minha memória não queria colaborar, então era difícil manter uma conversa quando você não se lembra de quase nada sobre a sua vida, além do que lhe foi contado.

Segundo porque eles tinham atributos que eu não tinha. O Zeca atravessava paredes, a Iolanda ficava invisível, a Helô fazia aquele negócio legal com ilusões – ela até fez um cachorrinho pra eu me sentir melhor – e a Sara enxergava através de prédios. Isso para não mencionar o campo de força do Tião, nem o Tavinho conversando com formigas, nem o Joca que fazia eletricidade e o Tonho que podia se transmutar para qualquer ser desse mundo. Uma vez inclusive ele ficou igual ao Zeca e começou a imitá-lo, o que rendeu boas risadas.

Todos eles conseguiam fazer coisas incríveis, enquanto eu era só um peso. Todos eram super legais comigo, mas não era o suficiente.

Estávamos deitadas eu e a Iolanda, que era a pessoa mais próxima de mim naquele grupo. Talvez porque tínhamos a idade parecida, não sei. Já fazia algum tempo que estávamos deitadas, lado a lado, sem dizer nada.

– Como você descobriu que conseguia ficar invisível? – perguntei, quebrando o silêncio.

– Foi sem querer – respondeu ela, apoiando-se nos cotovelos para me olhar.

Ela era linda. Tinha os olhos muito azuis e os cabelos pretos e cacheados. Ela exalava feminilidade, enquanto eu mais parecia um menino com esse cabelo raspado.

– No começo eu não conseguia me controlar. Eu sumia e voltava nos piores momentos possíveis – explicou. – Depois eu meio que fui acostumando e agora eu tenho bastante controle. Exceto, quando eu fico eufórica demais.

Pelo jeito que ela corou, é claro que ela estava falando do Zeca. Os dois formavam o casal mais peculiar do mundo. Fiquei imaginando se, quando ele ficava 'eufórico' ele acabava passando através dela. Devia ser uma cena e tanto.

– É que eu fico imaginando se isso vai acontecer comigo – disse. – Nunca pensei que ser normal poderia ser diferente.

– E você não consegue se lembrar de nada mesmo?

Neguei com a cabeça. Essa era uma das coisas que mais me frustrava. Eu não tinha nenhum progresso em nenhum aspecto. Era decepcionante.

O Zeca também era bastante esquisito. Quer dizer, ele era normal, mas me tratava como se eu fosse uma completa estranha. Talvez eu realmente fosse, já que não nos víamos há tantos anos que era possível que não fôssemos mais os mesmos. Não posso garantir já que eu não lembro.

Até aí tudo bem, pois não dá pra sentir falta daquilo que nunca tivemos. O problema é que todo mundo era unânime em dizer que ele tinha mudado depois que eu entrara no grupo e esse era mais um dos motivos que me faziam ter vontade de ir embora deste lugar.

Certa manhã, todos acordaram com uma notícia maravilhosa.

- Uma casa! - exclamou Sara. – Fica a três quadras daqui.

Levantei meio no susto, pois eu ainda não tinha entendido bem esse negócio de casa.

Para não levantar suspeitas, formamos duplas e seguimos até o lugar onde a Sara nos indicara. Marcamos de nos encontrar atrás da casa dentro de dez minutos.

A Segunda Geração - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora