Meu estômago estava em frangalhos e eu sabia que nada tinha a ver com o que eu comera ou deixara de comer. Eu estava morrendo de medo. E como eu não quis assumir isso pro grupo, meu corpo tratou de fazer isso no meu lugar.
Eu só não queria que por minha causa a Helô tivesse aquela briga gigantesca com o Tonho. Não que eu me importasse com ele. Longe disso. Mas como a Helô é minha melhor amiga – e sendo um ano mais velha que ela - eu também queria protegê-la. E infelizmente isso me levava a fazer o que eu mais detesto nesse mundo: concordar com o Tonho.
Antes de qualquer coisa, fui atrás dele. Eu sabia que ele estaria sozinho em algum canto da casa, e não foi nada difícil encontrá-lo. Ele estava em um quarto, sentado sozinho e rabiscando uma folha. Fiquei me indagando onde diabos ele tinha achado essa folha,
- Posso falar com você? - perguntei
- Se você veio aqui me criticar ou dizer como eu sou medroso, eu dispenso – respondeu ele, zangado, sem parar de rabiscar.
Eu já tinha o visto com medo várias vezes. Apreensivo também. E até mesmo bravo algumas vezes. Mas desta vez ele estava possesso.
- Não é nada disso – disse, receosa – Eu só queria conversar com você.
Ele guardou o papel no bolso e meio de soslaio percebi que ele estivera desenhando. Puxa vida! Eu morava debaixo do mesmo teto que ele há tanto tempo e não sabia que desenhava.
- Isso é um desenho? - perguntei, porque a curiosidade foi mais forte.
- É sim – respondeu ele cruzando os braços – O que você quer, Sara?
Pigarreei antes de começar.
- Eu queria me desculpar com você. Se eu não tivesse passado mal daquele jeito, nada disso teria acontecido.
- Você falou com ela? - perguntou ele
- Ainda não.
Ele respirou fundo.
- Ela é teimosa igual a nossa mãe, e às vezes eu tenho vontade de matá-la – continuou ela – Você vive repetindo que eu sou medroso, e eu sou mesmo, Sara. Eu morro de medo de que aconteça alguma coisa com ela. Ou mesmo comigo, porque eu não sei o que vai ser dela sem mim. Ela é tudo o que eu tenho, mas ela parece não entender isso. - ele coçava a cabeça enquanto falava – Você deve estar pensando que eu sou um idiota por ter gritado com ela daquele jeito, mas...
- Não! - interrompi-o – Eu não acho. Você fez certo em ter sido enérgico com ela. Só assim pra ela parar!
Ele ficou me encarando, como se eu tivesse contado uma piada ou algo do tipo.
- É sério, Tonho! - continuei – A Helô é minha melhor amiga, e mesmo que eu não seja muito mais velha que ela, eu me sinto responsável por ela também. Eu também temo por ela, assim como você. Por isso eu vim aqui me desculpar.
- Desculpar? Não entendi. - ele parecia confuso
- Eu achei que eu era corajosa. - expliquei - Eu acreditava mesmo nisso, mas na primeira vez que minha coragem foi colocada a prova, eu surtei e eu percebi que na verdade, mesmo que eu tenha rido de você esse tempo todo, a medrosa sou eu. Eu só... é... desculpa mesmo.
E sem esperar sua resposta saí dali e o deixei sozinho. Mesmo porque eu já nem sabia mais o que dizer.
*
Encontrei a Helô chorando no jardim. Sem nem pedir licença, sentei ao lado dela e a abracei.
- Você viu só como ele me trata? - perguntou ela entre soluços – Ele pensa que eu sou uma criança.
- Ele não faz isso por mal, Helô – argumentei – Eu sei como é.
- Você não sabe – contrariou-me ela, entre soluços – Eu não vejo o Tião fazendo esse tipo de coisa com você.
- Porque ele é só alguns meses mais velho que eu, esqueceu? – ri – Além do mais, não faz o perfil dele ser super protetor.
- Por que o Tonho não podia ser igual ele e me deixar em paz?
- Ele só quer te proteger! – dessa vez fui mais enfática – E assim como ele, eu também não quero que você se machuque!
- Qual é?! – exclamou ela, brava – Vai começar a concordar com ele agora?
- É claro que não! – revirei os olhos – Como eu posso concordar com um cara que me chama de "cavalo de cabelo comprido"?
E ao invés de soar como uma piada, isso soou bem mais ressentido do que eu queria. Sorte que ela não notou isso.
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A Segunda Geração - Livro 1
Science-FictionApós vários dias em coma, Malu acorda em uma cama de hospital, sem lembrar nada sobre seu passado. Sua única companhia - além de colegas de quarto estranhas e enfermeiras rabugentas - é um médico bastante empenhado em ajudá-la a recuperar a memória...