Já não bastava eu estar morrendo de medo, ainda me deixaram sozinho nesta! O que eles tinham na cabeça, afinal? Só Deus sabe quantas milhares de vezes cogitei a possibilidade de desistir dessa ideia maluca e voltar pra casa. Mas aí o que eu iria dizer pra Iolanda? E pro resto do grupo? E pra Helô, que já estava me achando o maior idiota da face da Terra? Não tinha jeito mesmo.
Segui andando pelas ruas, tentando passar despercebido, o que não foi lá tão difícil. As pessoas não costumam prestar muita atenção em gente como eu.
Fiz o caminho todo no automático de tal forma, que se alguém me perguntasse o que eu vi no meio do caminho, eu não saberia responder.
Quando avistei o hospital ao longe – o que só era possível graças aos seus muros altos e amedrontantes – percebi que já era hora de colocar o plano em ação. Entrei em um beco remoto – não sem antes me certificar de que não havia mais ninguém ali – e me transmutei naquela mesma enfermeira de quando fomos resgatar a Malu.
Caminhei lentamente até o hospital, sem nem me importar com as pessoas que viram uma enfermeira bonita e limpinha, saindo de um beco sujo e cheirando a xixi. Aproximei-me da guarita e notei que os funcionários que entravam ali, apresentavam um crachá para os dois rapazes que ficavam ali: um gordo e um magro. Senti minhas mãos suarem frio.
Tentei não me deixar abalar – apesar de estar quase surtando por dentro – e coloquei meu melhor sorriso no rosto, ou o melhor sorriso da enfermeira, no caso.
- Bom dia, meninos! - exclamei, sorridente – Lindo dia, não?
Notei que os dois rapazes se olharam, e após um tempo abriram um sorriso desconfiado.
- Esqueceu o crachá de novo, Fátima? - indagou o gordo, dando uma piscadinha.
- Sabe como é, né? - respondi, enrolando a ponta do dedo no cabelo, como as meninas sempre fazem quando querem fazer charminho.
- Sei – disse o magro. - Já é a terceira vez neste mês.
- Vocês não vão me fazer voltar até em casa pra buscar meu crachá, não é? - perguntei, tentando fazer cara de coitadinha.
- Sem crachá não entra – decretou o magro, não dando a mínima pra minha encenação.
Tentei olhar de soslaio pros crachás deles, sem que notassem. O gordo chamava-se Lourival e o magro, Rubens.
- Puxa, Rubinho! - exclamei, com a voz arrastada e melosa – Você vai fazer eu voltar em casa e chegar atrasada?
- É, Rubens – concordou o Lourival – Dá um desconto pra ela, vai?
- Tudo bem – disse ele, a contragosto – Mas essa é a última vez.
- Eu prometo que sim – disse, abrindo um sorriso enorme.
Passei pela guarita o mais rápido possível, para que eles não notassem que minhas pernas estavam bambas. Assim que entrei no hospital, precisei sentar e respirar um pouco. Mas a primeira parte do plano tinha sido cumprida: eu estava dentro do hospital.
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A Segunda Geração - Livro 1
Science FictionApós vários dias em coma, Malu acorda em uma cama de hospital, sem lembrar nada sobre seu passado. Sua única companhia - além de colegas de quarto estranhas e enfermeiras rabugentas - é um médico bastante empenhado em ajudá-la a recuperar a memória...