Capítulo XX

35.8K 2.1K 470
                                    

O Michael estava na fila para tomar duche e olhou para mim, arqueando uma sobrancelha.
- O que se passa? Não pode esperar? - Ninguém gosta de perder o lugar na fila.
- Não, não pode. É urgente.
Não sei se foi o tremor na minha voz, mas o Michael saiu da fila e foi comigo para a sala, que estava vazia. Estava preocupada porque já não via o meu irmão há algum tempo e não gosto de perder de vista o meu gémeo hiperativo durante muito tempo, mas isto era mais importante.
- Que se passa? Morreu mais alguém?
Abanei a cabeça.
- Não. É sobre o Josh. E o Julian, e o Tom.
- Que é que eles fizeram?
Contei-lhe então de como os apanhara a maltratar o William, a maneira como o Josh agira e tudo o que o Tom me contou. No entanto, omiti propositadamente a parte de o Josh me ter ameaçado e torcido o braço, e do Tom a empurrar-me contra a árvore. O Michael ia entrar em combustão e estava mesmo a imaginá-lo a ir dar um soco a cada um, e isso só ia piorar as coisas.
O Michael estava mesmo sério e quando eu acabei disse:
- Isto é grave.
- Muito grave - murmurei. Era como se aqueles três se tivessem esquecido de quem o verdadeiro inimigo era. - O Tom disse que eu e tu podíamos juntar-nos a eles, se quiséssemos.
- E que respondeste?
- Que não, obviamente... - De repente tive uma terrível suspeita. - Michael. Tu não... não concordas com eles, pois não?!
- Lyra, dá-me algum crédito - ripostou ele. - Achas mesmo que eu ia acatar ordens do Josh e andar por aí a roubar comida aos outros?
Fiquei calada. O Michael continuou:
- Mas o problema não somos nós. E se mais alguém se quiser juntar a eles?
- Quem é que poderia querer fazer parte daquela aliança absurda?
- A Rose e a Jayden. O Leonard. A Rachel. O Kay, talvez. - Enumerou ele.
- O Kay não - disse eu.
- Lá porque é giro achas que não ia seguir o Josh? - Disse o Michael, com sarcasmo.
Fitei-o, irritada.
- Não tem nada a ver com isso. O Kay tem miolos naquela cabeça, e sabe que a nossa melhor opção é permanecer unidos.
- Se tu o dizes - respondeu o Michael.
Ficámos em silêncio. Eu não sabia o que dizer.
- Então, que fazemos? - Perguntei por fim.
- Não há nada que possamos fazer, excepto ficar longe deles e tentar que se apercebam que estão a ser uns idiotas.
- Michael.
- Sim.
- Tu... achas que isto são mesmo uns jogos sádicos? Que alguém está por trás disto tudo só para... sobreviver o melhor?
- Não. Não acho que seja isso. Acho que é outra coisa qualquer.
- O quê?
- Não sei. Só sei que temos todos de nos defender.
- E as pessoas mais vulneráveis? A Maya, que venera o Tom? A Kristen, que está quase a passar-se? O meu irmão? - Detestava admiti-lo, mas o meu irmão não é a pessoa mais forte do mundo e eu receava que ele estivesse a sofrer bem mais com isto do que deixava transparecer.
- Tu ficas de olho no Alex. A Kristen detesta o Josh, duvido que se junte a ele no que quer que seja. A Maya... - Encolheu os ombros. - Nunca falei com ela, nem sei quem é. Sinceramente, é a minha última preocupação.
Olhei para ele, chocada.
- Só porque vocês não se dão tu não queres saber dela?
- Se me fosse preocupar com cada pessoa que está aqui, Lyra, não fazia mais nada.
- É esse o teu maior defeito, Michael. Não queres saber dos outros. Só de ti mesmo.
Arrependi-me do que disse mesmo antes de acabar a frase.
O Michael arregalou os olhos e disse, furiosamente:
- Desculpa?! Só penso em mim?! Já te esqueceste que me lancei de um pinheiro abaixo por ti?!
Abri a boca, mas não saiu som. Ele ficou à espera que eu dissesse algo, mas vendo-me em silêncio, bufou e saiu de rompante na sala.
Ena. Boa, Lyra. Tinha conseguido ficar ainda mais chateada com o Michael. Sentei-me no sofá e tapei a cara com as mãos. Hoje, decididamente, estava tudo a correr mal.

***

O Tom decidiu ir para o dormitório do Julian e do Josh, e a Summer ofereceu-se imediatamente para ocupar o seu lugar. O William, assustado pelos três rapazes, também ficou no nosso. Agora já éramos tão poucos que estávamos divididos em dois grandes grupos para dormir à noite. Eu, Alex, Alfie, Kay, Michael, Jayden, Rose, William e Summer num, e o Josh, o Julian, o Leonard, o Tom, a Kristen, a Rachel, a Mel, a Miranda e a Maya noutro.
A disposição de cama já não era importante. Cada um deitou-se numa cama qualquer. Claro, trancamos tudo e pusemos móveis à frente da porta, até trancámos a janela minúscula da casa de banho, mas sabíamos que o assassino conseguia entrar de qualquer maneira. A ideia assustava-nos ainda mais, e enquanto me enfiava debaixo dos lençóis senti-me super vulnerável.
Alguém desligou a luz. O Kay gritou-nos "Boa-noite!" da salinha ao lado. Alguns responderam de volta.
Depois, silêncio.
Mais um dia passara.
Na minha cabeça, enumerei os acontecimentos. A Daiana morrera. Tinham minado o chão. O Josh, o Tom e o Julian estavam com as ideias um pouco trocadas. Precisava de defender o William. E tomar conta da Maya, não a podia deixar ser usada pelo Tom. Ele também referira a Rose, mas sentia menos pena dessa. Além disso, a Rose era inteligente e não parecia ter problemas a arranjar rapazes. Se correspondera ao afecto do Tom, fora por vontade própria.
A cabeça estava-me a doer e fechei os olhos com força, o que só piorou a enxaqueca. Tanta coisa para fazer. E continuávamos sem ter a MÍNIMA ideia do que ali se passava.
Sabia que ia ter pesadelos, como na noite passada, e além disso queria estar acordada para o caso de aparecer o assassino. Não queria acordar a meio da noite com alguém esfaqueado, como acontecera à Maisie.
Maisie... tentei não pensar nela, e na Gabby, e na Daiana. Em vez disso, permaneci de olhos teimosamente abertos.
E de repente senti.
Não sei explicar. Foi como se um relâmpago vindo dos céus me eletrocutasse. De um momento para o outro, o coração acelerou e eu paralisei totalmente.
Algo não estava bem.
Sentei-me nos lençóis. Não fazia ideia de que horas eram, mas não me interessava. Olhei-me em volta.
Toda a gente estava placidamente a dormir. Portas e janela fechadas. Um silêncio sepulcral.
Estava tudo bem.
Mas então porque é que eu me sobressaltara?
Deitei-me, ainda agitada. O meu cérebro estava a apitar, como um alarme de incêndio. "ALGO ESTÁ MAL. ALGO ESTÁ MAL. ALGO ESTÁ MAL."
Mas... e se não fosse agora?
E se fosse algo que me chamara a atenção hoje, a alguma altura do dia, e só agora me apercebera?
O meu coração recuperou a velocidade normal, mas o cérebro não. Seria eu a fantasiar? Será que esta coisa toda também estava a afetar a minha sanidade? Ou realmente havia algo mal que eu vira mas não prestara atenção?
Fechei os olhos com força e concentrei-me ao máximo. "Pensa, pensa, pensa..." sentia as engrenagens a rodar. Algo que eu vira... algo que eu ouvira... havia algo mal, mas não me conseguia lembrar... o quê.
Dez minutos depois, desisti, frustrada. Não estava a chegar a lado nenhum.
Sentia-me um bocado ridícula, a meio da noite, a tentar lembrar-me de um pormenor estranho que eu nem sequer sabia se existia mesmo ou não.
Algo que eu vira?
Algo que alguém dissera?
Estava demasiado cansada e adormeci antes de poder aprofundar mais o pensamento.
Mas, no fundo do meu cérebro, o apito não cessava.
Eu apercebera-me de algo que estava mal. Mas não sabia o quê.

Campo de FériasOnde histórias criam vida. Descubra agora