Capítulo XXII

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- A água está envenenada!
Era tudo o que se dizia.
Eu sabia que não íamos ficar em paz para sempre. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, ia acontecer algo, mas isto era bem pior que um ataque direto.
O corpo sangrento da Kristen ainda estava na banheira e eu não tinha coragem para o ver de novo. Ia-se ter de tirar, eventualmente, mas que não contassem comigo.
- A água tem ácido - disse, abanando o Michael do sofá cama.
- Bom dia também para ti, Olhos V... quê?
- A água tem ácido.
- A água tem ácido? - O Kay abriu de repente os olhos. - Como assim?
- Alguém lhe pôs veneno. Não sei como, nem quando.
- Mas, como é que vocês...
- O Alfie queimou a mão e a Kristen morreu - disse eu, com o coração acelerado, como se tivesse corrido uma maratona.
- A Kristen morr... oh, porra - praguejou o Michael.
- Mas... ela não se suicidou, certo?
- Não. Simplesmente foi tomar duche, ligou a água e... pronto.
Não tinha força nem tempo para chorar a sua morte. Não éramos muito próximas, mas sempre que me lembrava do seu corpo sangrento corroído de ácido até me dava a volta ao estômago. Pelo menos, ela sempre acabara com o sofrimento. Estava num lugar melhor, na certa.
Todos os lugares eram melhores que estes.
- Isto é mau. Muito mau mesmo. O... o que é que nós vamos beber?
- Uh... bem, não há só a água das torneiras. - Murmurou o Kay, hesitante.
- Ai não?!
- Hum, da piscina...
- Gastamo-la a apagar o incêndio.
- Deve ter ficado alguma da água da chuva!
- Pouca. E está toda suja.
- Garrafas de água, cantis?! Deve haver uma reserva de água por aqui!
Concentrei-me e pensei de todas as maneiras onde é que podíamos arranjar algo para beber. Até agora eu nunca pensara muito nisso. Era só abrir a torneira e pronto. Era bem mais importante a comida. Mas agora, as prioridades trocavam-se.
As pessoas sobrevivem sem água em média três dias. E se não podíamos beber a água canalizada, não estava a ver o que íamos fazer.

***

- Regra Principal: ninguém toca, bebe ou se aproxima da água que sai do duche, das torneiras ou do raio que o parta. - Ordenou o Michael.
Estávamos todos reunidos no nosso dormitório, empoleirados nos beliches sentados no chão, mas todos com a mesma expressão preocupada.
17. Dos originais 64, só sobrávamos 17. Deu-me a volta ao estômago ao pensar na nossa situação. Até aqui, com grandes doses de coincidência e muita entreajuda, sempre nos tínhamos safado, mas não estava a ver solução para a falta de água.
- Aqui há muita coisa mal explicada - interveio o Josh, de repente.
- Não há nada mal explicado. Puseram ácido na água.
- Isso já eu percebi! Mas como é que tu - aponta para mim - de repente, entras no nosso dormitório tipo furacão aos berros e vais direitinha à casa de banho?
- O Alfie queimou a mão esquerda quando abriu a água hoje de manhã - expliquei. O Alfie exibiu a mão para demonstrar. Estava super vermelha, contrastando imenso com o tom de pele normal do pulso. Daí deduzi que havia um problema com a água, e lembrei-me de repente que algum de vocês podia ir tomar duche sem saber do veneno, e tentei avisar-vos.
- Não serviu de muito, aparentemente - disse a Rachel, arqueando uma sobrancelha.
- Olha lá, a Lyra fez o que pôde - defendeu-me imediatamente o Michael, irritado. Não estava nada como ontem à noite. Pelo contrário, todo o seu corpo demonstrava fúria. - Ninguém tem culpa que a Kristen tenha tomado duche às 7:45 da madrugada. Mas podemos fazer alguma coisa por ela? Não. Por isso, get over it.
- O teu discurso sobre a Kristen é muito comovedor, mas ainda não acabei - cortou o Josh. - Como é que administraram ácido à água?
- Hum... alguém entrou nos dormitórios...? - Murmurou a Maya.
- Fizemos vigias a noite inteira. A menos que o assassino sempre tenha estado lá dentro, não vejo maneira de ter entrado.
- Continuo a achar que há uma passagem secreta! - Decretou o Leonard, entusiasmado. - Um túnel ou assim.
- Ou então as paredes rodam, tipo naqueles filmes de agentes secretos - acrescentou o Julian.
Eles continuaram a discutir animadamente sobre aberturas no telhado e salas subterrâneas, mas o meu pensamento voou para longe ao pensar no que o Josh dissera.
"A menos que o assassino sempre tenha estado lá dentro..."
Abanei a cabeça violentamente, como para afastar aquela ideia monstruosa que de repente me ocorrera. Em vez disso, concentrei-me de novo no que se estava a passar.
- Importam-se de se calar?! - Pediu a Jayden, irritada. - Na minha opinião, há algo bem mais importante que passagens secretas, neste momento.
- Tipo...?
- Descobrir como vamos arranjar água, não?!
Silêncio.
- Piscina? - Sugeriu a Miranda.
Bufei, irritada. Juro, esta malta tem memória de peixe.
- Usámo-la toda para apagar o incêndio! - Respondeu a Summer. - E de qualquer forma não poderíamos beber cloro.
- Mas então... não há maneira de bebermos. - O choque de repente atingiu todas as pessoas, que começaram a falar num pânico atabalhoado:
- Vamos morrer à sede!!
- Vamos desidratar.
- Não nos podem fazer isto.
- Tem de haver maneira.
- Não podemos...
- OH! - Gritou o Kay, batendo palmas com força para se sobrepor ao barulho. - Gente, calou!! Entrar em pânico não vai ajudar!!
- O Kay tem razão! Em vez de guincharem como umas galinhas, dêem ideias úteis para resolver o problema.
- Oh! Já sei! - Disse o William, entusiasmado. - Vi uma vez num programa de sobrevivência do Bear Grills! Com uma cena de metal que se espetava nos troncos das árvores e frutos, saía a água que corria dentro delas e nós podíamos beber.
- Muito engenhoso, mas há uns quantos problemas. Um, ninguém tem uma dessas cenas de metais, e dois, não me está a parecer que os pinheiro e os pinhais tenham muita água lá dentro.
- Hum, pois...
Mais silêncio. Concentrei-me ao máximo. Dependíamos totalmente de arranjar uma solução.
- Há outra coisa que podemos fazer - disse o Tom.
- Diz.
- O meu pai disse-mo, uma vez. Cava-se um buraco de 30 cm de lado e profundidade e deixa-se durante a noite. Provavelmente, na manhã seguinte, vai estar com água lá dentro.
- Isso não acontece apenas em terrenos lamacentos? - Perguntei. Aqui, era terra dura, o prado era seco, a relva amarelecida. Não estava a ver muita água no solo.
- Vale a pena tentar. Tom, cai cavar o buraco lá fora e depois volta.
O Tom saiu do dormitório.
- Não sabemos se isto vai funcionar, por isso precisamos de mais ideias.
- Alguém tem uma garrafa de água ou cantil na sua mochila ou assim? - Perguntou a Summer.
Ninguém falou.
Suspirei.
- Fomos burros. Devíamos ter enchido recipientes com água pura enquanto podíamos.
Em vez disso, achámos que ia durar para sempre. Era o nosso maior ponto fraco e nunca tínhamos parado para pensar nele.
- Não adianta chorar sobre o leite derramado - disse o Alex, abanando as mãos. Um dos seus estúpidos provérbios.
- O loirinho tem razão. - Disse a Rose, encaracolando o cabelo no dedo. - Temos de arranjar uma solução.
Mas não arranjámos. Debatemos e pensámos em tudo. O Tom chegou, e ainda não tínhamos nada.
Uma hora depois, desistimos. Só havia duas coisas que nos podiam salvar: se o buraco do Tom se enchesse de água ou se chovesse.

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