De repente acordei.
Só havia uma palavra que podia descrever a situação.
Sede.
Sentei-me na cama, em pânico, porque não sabia o que estava a acontecer comigo. Estava escuro, e eu sentia o meu pijama suado colado à pele. Mas o pior era a sede monstruosa que se estava a apoderar de mim.
Era noite cerrada, lá fora. Eu estava a respirar como se tivesse corrido uma maratona, quando na verdade estivera a dormir.
Água. Era tudo o que eu pedia.
Devagarinho, saltei do beliche. O meu corpo estava a tremer, e era como se me tivessem pegado fogo ao peito.
Entrei na casa de banho, liguei as luzes e encostei-me aos azulejos frescos, tentando acalmar a respiração.
Estava com mais sede que nunca. Sentia-me um enorme boneco de peluche estofado com areia. Pela primeira vez, a desidratação estava mesmo a levar a melhor sobre o meu corpo.
Olhei para a torneira. Devagarinho, abri-a, e um fio de água amarelado saiu.
De repente tudo se abateu sobre mim. Não sei se foi o stress, esta sede horrível que me estava a consumir, o Tom e a Rose, a minha boneca pára-quedista, ou se foi tudo, mas de um momento para o outro o peso tornou-se insuportável e chorei.
Solucei, ali, abraçada aos joelhos, sentindo-me enclausurada entre quatro paredes que lentamente se iam apertando. O estranho é que não saíam lágrimas. Eu estava tão desidratada que já nem lágrimas saíam.
Íamos morrer. Morrer, morrer, morrer, morrer. Repeti a palavra na minha cabeça centenas de vezes, até ela soar ridícula. Seria assim tão mau? Seria doloroso? Ia ter com a Gabby, e a Maisie. Pelo menos isso consolava-me.
Não fazia ideia de que horas eram. Saí da casa de banho e espreitei para o relógio de pulso do Alex, que indicava 00:26.
Daqui a pouco éramos eu e o Michael a vigiar. Olhei para a cama vazia do Alex. Ele e a Mel estavam lá fora naquele momento.
No silêncio da noite, então, ouvi as vozes deles. Eu não sou de ouvir conversas e teria ido dormir (ou tentar dormir) se não ouvisse o meu nome.
- ... Lyra...
Quem é que resiste a ouvir duas pessoas a falar, principalmente quando o nosso nome está envolvido pelo meio?
Aproximei-me da cortina e espreitei pelo vidro. Eles estavam os dois sentados, perto da porta. Não se ouvia muito bem, mas dava claramente para perceber o que eles diziam...
- ... ficou chateada?
- Acho que sim. Quer dizer, ainda não me falou desde aquilo.
- Tu também... - A Mel deu-lhe um soco no ombro. - Atirares a boneca preferida da tua irmã gémea pela janela atada a uns lençóis!
- Oh, a culpa não foi minha se o James não armou aquilo bem! - O Alex suspirou, olhou para o céu e disse: - Vou ter saudades dele. E dos meus pais. E do basquete, e da casa da avó, e das festas.
- Eu também vou ter saudades...
- De quê?
- Oh, de tudo! Da minha família. Do meu irmão. Dos passeios de barco. As aulas de canto.
Eles ficaram em silêncio durante uns segundos, mas por fim o Alex falou:
- Estás com sede?
- Estou. Imensa. E o estranho é que me está a dar imensas cãibras.
A Summer contara-nos os sintomas da desidratação. Variava de pessoa para pessoa, mas quando estava na fase média-severa, dava dores musculares, dores de cabeça, tonturas, pele seca, alucinações. Eu encontrava-me presentemente na categoria das tonturas.
- Eu sinto-me seco. Sabes tipo as flores quando as arrancas da terra e passado uns dias estão completamente murchas? Sinto-me assim.
A Mel sorriu da comparação. O Alex suspirou e continuou:
- Acho que de quem vou ter mais saudades é a Lyra.
A Mel deu-lhe um sorriso triste.
- Óbvio. É tua gémea. Mas... ela vai morrer também, Alex. Suponho que não se vão separar...
- Sabes lá. E se no céu dividirem os rapazes das raparigas? Sabes, tipo as casas de banho?
A Mel explodiu a rir.
- Tipo as casas - de - banho? Só tu, Alex...
O meu irmão também riu entredentes. - Somos tão diferentes... e no entanto gosto tanto dela Mel. Aquela sua teimosia... nunca pára até conseguir o que quer. Os olhos verdes que brilham quando ela tem uma ideia. E pode parecer calma e controlada, mas quando se zanga... a casa vai abaixo!
A Mel riu-se.
- Ela é inteligente, não é?
- Isso é um eufemismo. Ela é um crânio. Se soubesses quantos trabalhos, projetos, testes, ela já me safou...!
- Sinto o mesmo com o meu irmão, sabes. Ele tem 12 anos, é super irritante, só pensa em andar atrás da bola de rugby e discutimos mais ao menos quatro vezes por dia, e no entanto adoro-o. Amor de irmãos é estranho, não é?
- É. É estranho.
Vi a Mel fazer um sorriso constrangido e depois dizer, um bocadinho mais hesitantemente.
- Quer dizer... os outros tipos de amor também são estranhos.
O Alex virou-se para ela.
- O que queres dizer?
- Quero dizer com isto uma coisa que já te queria ter dito antes, mas não consegui.
- Bem, o que é...?
Mas acho que o Alex já sabia o que era.
Eu própria já sabia o que era.
A Mel inclinou-se sobre o meu irmão gémeo e beijou-o.
Acho que apanhou o Alex desprevenido, mas só por uma fração de segundo. Porque o Alex nunca está desprevenido. Ele abraçou-a e correspondeu ao beijo, e ficaram ali os dois, por baixo da lua cheia que iluminava o prado.
Aquele momento era só deles os dois, por isso devagarinho afastei-me da janela e trepei para o beliche.
Apesar de tudo, dei por mim a sorrir. Estava feliz por eles. O Alex nunca teve problemas em arranjar raparigas (já perdi a conta de todas as suas namoradas) mas a Mel parecia ser diferente e acho que os dois juntos ficam perfeitos. Perguntei-me se lhe devia dizer que os tinha visto. Acabei por decidir que não. Se o Alex quisesse que eu soubesse, iria-mo contar.
De repente, lembrei-me de, há vários dias atrás, também ter acordado e presenciado algo pela janela.
O vulto. A correr pela colina abaixo.
Nunca mais voltara a pensar nisso. Será que era importante? Haveria uma explicação lógica?
Fora na noite em que os monitores tinham desaparecido sem deixar rasto. Nem há uma semana tinha sido, mas acontecera tanta coisa que pareciam meses...
Estava com demasiada sede para dormir e, acordada, só me sentia pior. Parecia que de qualquer uma das maneiras eu não estava bem. Talvez eu só estivesse mesmo bem morta...
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Campo de Férias
Mystery / ThrillerEra para ser um campo de férias normal, não era? Era para nos divertirmos e passarmos duas semanas inesquecíveis, não era? Era para conhecermos gente nova e aproveitarmos o Verao, não era? Mas então, porque é que morreram todos? *Esta história foi e...