Capítulo XXXII

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Não conseguia perceber onde estava nem o que se estava a passar.
O zumbido de antes estava mais forte, e tudo o que os meus ouvidos captavam eram um BIIIIIIIIP constante, como se a minha audição tivesse estalado.
A primeira coisa que percebi foi que estava deitada no chão. Viva. Pois estava a respirar. E conseguia-me mexer.
A segunda coisa que percebi foi que havia fumo.
Virei-me.
Estava deitada no prado, e atrás de mim o dormitório rebentado crepitava em chamas. Afastei-me ainda mais, apesar de estar fora de perigo. A parte do telhado que continuava de pé desabou e vi o beliche desmontar-se.
O dormitório explodira.
A bomba. Tinham posto uma bomba debaixo da cama enquanto íamos investigar o assobio. Como pudemos ser tão burros? Se eu não tivesse notado o tique - taque, estaríamos todos mortos.
Virei-me rapidamente. A Summer, o Kay, o Michael e o Alex estavam deitados na relva. Pareciam assustados e a Summer tinha um arranhão no braço onde raspara na terra, mas tirando isso estavam bem.
- Lyra! Tudo bem?! Magoaste-te?! - Perguntou-me o Alex.
- Não, não te preocupes... acho que nos safámos todos.
- O dormitório... explodiu! - Exclamou o Kay, boquiaberto. - Eu... mas como...
- Puseram uma bomba debaixo do beliche - respondi nervosamente, passando a mão pelos cabelos. As chamas já estavam a atenuar, ficando apenas um enorme monte de destroços que antes fora o nosso dormitório.
- Uma bomba?! Mas quand... ah. - Interrompeu-se o Alex.
- Que parvos que fomos. Era de prever que algo do género fosse acontecer - cuspiu o Michael. - O assobio era só para nos distrair e tirar de lá.
- Não fomos parvos. Acho que a maioria das pessoas teria reagido assim.
- Mas... como é que sabias da bomba, Lyra?! Se não fosses tu... tínhamos ido pelos ares! - Exclamou a Summer.
Nem eu própria sabia bem.
- Não sei... simplesmente senti que havia algo errado... e depois notei de repente que além do tique - taque do relógio, eu também estava a ouvir outro! Que vinha de debaixo da cama. Pensei logo naqueles filmes de guerra, sabem, que a bomba tem o count down e não sei quê...
- Tens noção que nos acabaste de salvar a vida a todos, não tens?! - Cortou-me o Kay.
Não respondi porque não fora bem assim. Fora apenas um pressentimento estranho, nada a ver com coragem.
- Obrigada, Lyra - sorriu o Michael.
- Eu... de nada, acho - sorri hesitantemente.
- Bem, e agora? Ficámos sem dormitório... e a nossa roupa e cenas também arderam todas...
- Bem, eu tenho a faca e o canivete comigo - alvitrou o Michael, tirando-as das calças onde os prendera. - Como tínhamos saído com eles nem me dei ao trabalho de os guardar e fiquei com eles nas mãos.
- Boa. Pelo menos, continuamos armados e...
- Nem acredito que o meu iPhone explodiu - gemeu o Alex. - Como é que vou explicar isto à mãe?!
- Acho que a mãe vai estar mais interessada em outras explicações, Alex - suspirei. - Duvido que o teu querido telemóvel seja a sua prioridade.
- Acham que vale a pena vasculharmos os destroços para procurar algo que tenha sobrevivido? - Inquiriu a Summer, olhando para o dormitório. O fogo terminara, restando cinzas e uma enorme estrutura de madeira desmontada e queimada.
- E se houver outra bomba? - Perguntou o Alex, assustado.
- O plano do assassino era matar-nos com esta - alvitrei. - Não faria sentido pôr duas bombas partindo do princípio que uma teria sido suficiente. Anda lá, Alex. Quem sabes ainda encontras o teu precioso iPhone!
Infelizmente, não encontrámos quase nada. A bomba rebentara com tudo, e o Michael quase se cortou num pedaço de vidro que era antes o espelho da casa de banho. Não tinha dúvidas que se estivéssemos lá dentro no momento que a bomba explodiu, teríamos explodido com ela.
A Summer encontrou o livro que estava a ler. Ou melhor, encontrou parte da contracapa queimada.
- Fogo... logo agora, que estava na melhor parte - gemeu ela, chateada por ver a sua história destruída.
Ninguém lhe respondeu. O Kay encontrou uma meia, que provavelmente pertencia ao Alfie ou assim, e também recolhi o meu desodorizante, que apesar de uma ligeira racha estava milagrosamente intacto. De resto, não sobrou nada.
- Que fazemos, agora? - Inquiriu a Summer, quando concluímos que os únicos sobreviventes eram a meia e o desodorizante. - Vamos dormir cá fora?
- Claro que não. Vamos para um dos outros dormitórios. - Disse o Michael. - E desta vez podem assobiar quanto quiserem que não saímos de lá.
Andámos em silêncio até um dos dormitórios mais afastados. Estava deserto desde que as primeiras mortes tinham ocorrido, mas tinha as camas feitas e uma casa de banho, e isso era suficiente para nós.
Entrámos, e como sempre, trancámos a porta, pusemos um móvel à frente e fechámos as janelas.
- Que horas são, Michael? - Perguntei eu.
- Seis. - Respondeu. Algo na sua voz estava estranho, mas eu sabia o que era.
- Se sobrevivermos esta noite, estamos safos! - Exclamou o Alex.
Não era como se não soubéssemos, mas estar tão perto da liberdade era chocante. Agradavelmente chocante. Gás, lobos, incêndios, minas, jogos, bombas, tínhamos sobrevivido a tudo. Não sei como, mas tínhamos. E pela primeira vez considerei realmente a hipótese de sairmos por aquele portão.
- O assassino contava que morrêssemos na explosão - comentou o Kay, incrédulo. - Não deve ter mais nada planeado. E isso quer dizer...
- Que a menos que improvise algo terrivelmente letal, não há maneira de nos atingir!!! - Exclamou a Summer. Ela quase que estava a chorar, e eu entendia. Era uma alegria abafada, diferente de tudo o que sentira até ali.
- Lembrem-se que ele consegue entrar durante a noite - relembrou de repente o Alex, desconfiadamente. - Não se sabe como.
- Por isso mesmo é que esta noite não vamos dormir - declarou o Michael.
- Não? Vamos fazer tipo, uma direta?
- Exato. Vamos ficar as próximas horas até ao amanhecer todos de olhos bem abertos, armados, com as luzes ligadas. Desta vez não vamos ser apanhados desprevenidos.
- A que horas é que nos vêem buscar amanhã? Dizia no panfleto da publicidade...
- Depois do pequeno - almoço. Ou seja, logo de manhã.
- Graças a Deus! Se aguentarmos as próximas 16H... vamos mesmo sair daqui vivos.
Eu continuava sem conseguir acreditar. Parecia que a qualquer momento eu ia acordar e ainda iam faltar semanas... mas não. Isto não era um sonho.
Estávamos mesmo quase lá.
- Hey. Michael. Lyra - sussurrou-nos o Alex, de repente. A Summer e o Kay estavam a abraçar-se, ainda abalados pela realização de estarmos quase a sair daqui. - Tenho de falar convosco.
Olhei para o meu gémeo e depois para o Michael. Tinha ideia de saber o que era. Olhámos furtivamente para a Summer e o Kay e fomos para a sala adjacente, sem dar muito nas vistas.
- Que foi, Alex? - Perguntou o Michael.
- Oiçam... Isto é sério. Lembram-se daquela vossa teoria de o assassino ser um de nós? - Perguntou o Alex, nervosamente.
- Sim, claro...
- Pois, o Josh já morreu. Tal como o Tom, e a Rose, e todos os nossos suspeitos. Eu digo-vos já que não sou! Nem a Lyra! E tu, Michael... - O meu irmão fez uma breve pausa. - Confio na Lyra tanto quanto confio em mim mesmo, e se ela diz que não és tu, então é porque não és.
Sorri, enternecida. Eu e o Alex tínhamos uma relação forte, mas ouvi-lo dizer em voz alta que confiava a 100% em mim era algo novo.
- Obrigada, meu. Também não acredito que sejas tu - sorriu o Michael.
- Mas então... então, se vocês estiverem certos, o assassino só pode ser a Summer ou o Kay! E pessoalmente não acho que possa ser nenhum deles!
- Concordo - suspirei. - Nenhum deles pode ser o maluco que nos trancou aqui. O Kay é super simpático e nem em mil anos o vejo a imaginar e pôr em prática um plano destes!!
- E a Summer praticamente foi criada num hospital! Ela foi ensinada a salvar vidas, não tirá-las. - Comentou o Michael. Olhámos todos de soslaio para os dois. A Summer, com aqueles grandes olhos azuis claros, e o Kay, com aquele ar brincalhão, jamais poderiam ser o assassino. Cada vez tinha menos dúvidas sobre isto.
- Mas então, se não são eles... quem é?
- Pessoalmente, se amanhã sair daqui vivo, para mim é suficiente - comentou o Michael.
- Não tens curiosidade de saber quem armou isto? E porquê?
- Tenho, mas tenho ainda mais vontade de deixar este lugar e nunca, nunca mais voltar!
Não respondi. Será que alguma vez iríamos saber o que tinha acontecido nestas duas semanas? Ou ficaria um mistério para sempre?

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